Avançar para o conteúdo principal

Encontros e despedidas

Na cidade Ercília, as casas têm fios de várias cores a ligar as suas arestas. Os refugiados, acantonados nas suas fronteiras, limitam-se a observar aquele emaranhado de linhas. Hoje, se olharmos parados esta assembleia, imaginamos mil fios ligados de uns de nós para com os outros e de outros milhares de fios conectados para além deste sítio onde nos encontramos. A existência do presente é também estarmos em muitos sítios ao mesmo tempo. O fio fundamental que nos liga a todos, sem necessariamente ligar cada um de nós, é a Anabela e o Pedro, tal e qual a cidade invisível de Ítalo Calvino. Os nossos fios são de cores diferentes e é bonito ver este arco-íris. Mas não é sobre cidades imaginadas nem acerca de cabos cor de jasmim que vos quer falar este grupo de pessoas, unidos para presentear os seus amigos.

Entre as cidades do mundo existem conexões inventadas a interliga-las. São rotas de ida e de vinda; espaços cheios de encontros e de despedidas. As plataformas da vida são momentos para seguir em diante; lugares onde cabem desculpa, obrigado, gosto de ti, adeus e “até já”. Caminhadas para os colos de sempre em esboços de risco; linhas flexíveis ante a dureza do ferro entre a bitola.

A Bela é da argamassa desta aventura; despida dos seus medos e no meio de tantos segredos, vimo-la seguir diversas idas e esperamos em algumas das suas vindas. Portalegre, Macau… juntos, fizemos escalas em Madrid, Barcelona ou Roma. Ainda não fomos a Nova Iorque, mas, em quase olhos comuns, vimos paz em dias de aniversário, sentimentos alegrias das páscoas e dos natais, vibramos folias com sabor a bolo e lágrimas de luto com peito de sal. Os nossos meses viram passeios em barcos, bicicletas, aviões e comboios, seguimos por piqueniques à beira-rio e provamos dos mares quentes nos trópicos. Ouvimos bebés a chorar e colos vazios à espera de acordar. Fomos a muitos sítios sem sair do lugar. A Anabela é, por tudo isto, como o vapor que puxa a carruagem um pouco mais adiante e o calcanhar com medo que não olha para trás. É insegurança de um não quero nos desejo tanto que ficam por dizer. Ondas ligeiras com forças profundas que desmontam ravinas.

Por estes caminhos, montados por gente que foi e nunca mais voltou, e outros tantos que vieram para nunca mais partir, construiu-se a vida que hoje, aqui, nesta Igreja e na presença de Deus, parte em nova viagem. Gostávamos de agradecer ao Pedro os não quero que transformou em desejo tanto. Queríamos dizer à Bela que, por mais pedras e obstáculos que se lhe somem ao caminho, por difíceis que seja os até já e salgadas fiquem as lágrimas a correr pelo rosto a baixo, existe um caminho seguro, esperançoso e amigo à distância aparentemente fria da bitola que liga as estações do ano; os colos de sempre como memoráveis signos que, gémeos, se encaixam.

Ercília, Helena, Joanna, Raquel, Xavier, Bruno, Márcio, Rui, Fernando, Miguel, Sónia, Marília, André, Piriquito, Marcelo, Manuel, Aurora, Dionísio, Eulália, José, Júlia, Ormindo, Benedita, Vítor, Maria, Jesus, Deus, Pedro, Anabela… Cidades de todos os nomes; centenas ou milhares de fios ligando às suas arestas; peças de uma vida nova que agora se faz presente. Sem check-ins ou reservas antecipadas, a jornada, que apita lá fora, está à vossa espera para outros encontros e mais despedidas. Peças deste puzzle com tanto por construir.

Texto escrito para o casamento da Bela e do Pedro.

Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Que gelado seriam?

Se fossem um gelado da Olá qual seriam? Porquê? Eu seria um Swirl de Chocolate: intenso, múltiplo, Yin e Yang das sensações. Eu sou assim: entre a diversidade e a unidade, entre a simplicidade e a complexidade. Divirtam-se! Sem mais, Luís Gonçalves Ferreira PS.: Como repararam, podem optar por outros gelados que não os do catálogo mostrado. Tem é que ser Olá e não valem os "porque sim" como resposta.

Por detrás da nova imagem deste canto

 We must crown our heroes A lógica iluminista, inteligente, simbólica e imperial do Terreiro do Paço sempre me encantou. Significa a profundidade que as peças de arte (de qualquer género) devem conter: um pedaço de História. Estar ali, no meio, virado para o Tejo é um transporte no tempo. Espelha um malogrado destino de um país que, outrora potência, reconstruiu, por infortúnio do tempo, um pedaço medieval, transformou-o em algo novo e apresentou-o ao Mundo. É como se, ali, num pedaço de chão, estivesse a réstia triste de um Império e o movimento hostil de um país que cresceu, ano após ano, século após século, de uma forma atabalhoada, confusa, mas sempre com uma imagem exterior límpida, renovada. Foi isso que guiou Dom João V, Dom José e o seu Marquês, a I República e a sua incursão na Guerra, Salazar e a sua exposição em 1940, a Expo 98', o Europeu de Futebol e que guia o TGV. São imagens que nos guiam como povo. Não interessa se se morre de fome para além de Lisboa. Não importa

Suor de que rosto?

Barrete de penas. Luvas até ao cotovelo. Sabor a ananás. Cachecol cor de pêssego. Lábios singelos de doçura profunda.  É triste estar-se triste. Peço desculpa por só vos trazer isto nestes últimos dias. Posso começar todos os parágrafos das minhas falas com coisas desconexas para parecer que estou louco. Estar louco traria justificação para o meu estado de espírito, mas seria uma farsa. Um travesti de sentimentos. Um ensaio. Um teatro. O final é o mesmo. O de sempre. Não consigo mentir por mais do que algumas frases. Falar novamente em ananás, luvas e lábios seria cenário artificial de um livro qualquer. Silêncio. Prefiro o silêncio a mim mesmo. Sou eu mesmo na companhia de mim mesmo. Provavelmente, estou farto de mim. É isso. Fecho as asas. Os olhos. E o coração. Seria muito mais fácil ser uma pedra, quieta, calada, e parar de escrever para sempre. Parar de escrever seria deixar de ser. E de sentir isto.  Não, Luís. Cala-te! Não escrevas mais! Desconfortas os outros com o que dizes. A