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A morte está a circundar, devagar. Vai acabar, em pouco tempo, e aos poucos, com as plantas que cultivei nos últimos tempos. Essa pobre instância do tempo, credo de muitos, está perto de mim. Sinto alguns fins próximos, porque eu já dei o meu máximo para tentar segurar o que quer que seja a esta vida. Há vida dentro de mim. Continuo a sentir-me triste. Continuo a sentir-me perseguido pela morte. Se há tempos desesperava neste momento, agora sinto que cumpri a missão: fui fiel a mim mesmo. Não abandonei antes do tempo. Disse o que disse. Fiz o que fiz. E não me arrependo. Sinto o fim próximo, e choro a pensar nisso. São lágrimas quentes estas que me escorrem, hoje, como algumas outras vezes, a tropeçar pelo rosto. A morte, essa seca coisa, escorre-me, hoje, pela cara abaixo sob forma molhada. Estou cansado de me sentir a lutar sozinho. Estou cansado de me sentir a precisar sozinho. Estou cansado, no fundo, de prolongar isto sozinho. Não sei se vamos ficar amigos. Não sei o que vai ser de nós. Sei, amor, que não quero ser o peso que senti, de ti, pelos outros, nestes tempos. Não vou ficar como fantasma, porque eu sobrevivo sem ti. Se um dia, lá longe, te lembrares que eu fiquei para trás, recorda-te que podes já não correr a tempo de me alcançar. Se fores, agora, a correr para o grande amor  lembra-te que será a maior humilhação da minha vida até hoje. Não gosto de ser vítima de moldes. Nem de comparações. Nem de nada. E fui. E perdi a racionalidade em nome do nosso amor. Eu pedir-me, a certa altura, quando só pensei em ti. O fim, meu amor, está aí, aliás, ele é aí. Foi, há tempos, quando deste o primeiro sinal de desinteresse. Eu não sou uma coisa. Eu não estarei sempre cá, de peito aberto, de madrugada para te ouvir. Eu não sou um boneco. Eu não uma personagem de anime. Eu não sou um molde. Sou uma pessoa. Que sente. E, a certa altura, já deixou de conseguir perdoar.

Hoje, aos tantos de julho, sou mais pedra por ti. Por que só me apetece deixar de acreditar no amor.

Luís Gonçalves Ferreira

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