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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2011

Um beijo e uma escolha

Quem um dia nos escolheu a roupa recebeu as nossas perguntas inocentes com a carícia da sua compreensão e companhia. Não há nada mais contraditório do que crescer: estamos entre o passado e o presente, numa dualidade esquizofrénica entre tarefas de gente pequena e missões de gente grande. Os traços do rosto modificam-se, mas quem nos vê crescer (re)conhece os nossos modos, reacções e sabe o que o que os actos podem significar. Tornámo-nos "monstros" sociais, aparentemente irreconhecíveis, por fugirmos da base. Essa circunstância faz de nós produto: um substância transformada, melhorada, cheia de acessórios. As memórias fazem o resto: dão-nos razão ou esvaziam-nos dela, mas sempre comportam um ensinamento no seu substracto.  Não me lembro de me escolherem a roupa ou de prepararem o lanche ou ainda de me beijarem de boa noite . Sei como me visto e gosto de preparar e conheço as cores que me definem. Reconheço o que gosto de lanchar e já sei quem se despede com amor genuíno (em

Não sei o te que chamo

Procuras um cheiro, e ele não está . Procuras um corpo , e ele não está . Pedes um desejo, e ele não vem. Procuras, e não encontras . Olhas e não vês. Sentes e nada sentes. É a monotonia das horas, dos sentimentos, das pessoas. E é algo que consome e faz sofrer. É sentir-se que se vai e vem e, sem voltar, por lá se fica: na penumbra do que não se tem. E a maior angústia é a da perda, mesmo daquilo que não se tem, mas que na mente, de mansinho, fomos criando como num drama. Os actores são nossos. As histórias criadas pela nossa cabeça. O tempo é o nosso palco. Os sonhos as nossas luzes. E sobrevive. O actor sobrevive nas suas personagens como eu (sobre)vivo nos meus sonhos. E não existe nada mais pequeno do que sobreviver... O sol tem asas. De noite não as vejo, mas sei que estão lá. As estrelas para o dia e as asas para a noite: uma tremenda (des)ilusão. Luís Gonçalves Ferreira

Da doença dos olhos: uma ficção continuada

Quando se ama alguém de forma não correspondida por muito tempo, o nosso corpo habitua-se ao pouco que é um amor que não conhece um espelho: uma doença dos olhos, uma loucura que vê em todas as folhas que mexem um terramoto. É uma sinestesia estranha entre aquilo que algum dia se teve e aquilo que efectivamente se possui. É isso uma doença da realidade, como uma ficção de sentimentos: um teatro continuado por pura necessidade de sobrevivência.  Há-de chegar o tempo em que o ridículo do pouco que se recebeu relevará e fará pensar. Valeu a pena? Onde está, agora, a pessoa a quem lhe devotamos o maior amor que conseguimos canalizar? É um processo seguido de múltiplas réplicas. As réplicas são traumas e formas de operar. São como modelos tortos, doentes, repetidos até curar a ferida. Não existe maior injustiça advinda de nós mesmos senão aquela de amar alguém que já partiu: uma perpétua devoção ao molde daquilo que foi mais dado que recebido. A minha maior réplica é a de querer dar amor de

Apetece-me Pessoa: "Quando estou só reconheço"

Quando estou só reconheço Se por momentos me esqueço Que existo entre outros que são Como eu sós , salvo que estão Alheados desde o começo. E se sinto quanto estou Verdadeiramente só, Sinto-me livre mas triste. Vou livre para onde vou,  Mas onde vou nada existe .  Creio contudo que a vida  Devidamente entendida É toda assim , toda assim. Por isso passo por mim Como por cousa esquecida.  Fernando Pessoa

Mensagens a-textuais

Não vos quero falar de felicidade, nem amor, nem coisas vãs de dentro de mim. Não vos quero contar estórias de encantar ou histórias de uma vida absolutamente igual a muitas outras. Não vos quero pormenorizar as minhas fomes ou sedes ou faces que vejo nas ruas. Definitivamente, não é isso. Prometo não ser isso jurando não saber o que é. É um movimento, constante, doente, de mim para mim, até vós. Não é nada que se possa descrever nem tão pouco escrever. Não são sons, nem metáforas nem desejos. Não são coisas. Não é pó. É tudo o que estas linhas significam no pouco que vos estão a dizer. E são isto as pessoas: metáforas de si - como realidades encapotadas, fingidas, onde a estupidez represente o máximo que se dá a alguém. Se calhar estou confuso. Deve ser isso. E tenho um recado em cima da mesa que me diz: trabalha e cala-te! Luís Gonçalves Ferreira

Das cartas que não são entregues: Saudades de um corpo ferido

Meu amor, tenho saudades tuas. E agora não consigo contar os dias, nem as horas, mas sufocam-me as noites mal dormidas e os sonhos repetidos. Não sinto falta do teu amor, confesso-te. Não é da tua paixão nem do gemido do teu coração. Não, não é isso. Tenho saudades do teu conceito, da tua companhia, do teu abraço. Sinto a falta do teu cheiro e do piano da tua voz. Sinto-me tristemente isolado num campo amarelo, como um ponto na seara louca. Nada se mexe para além daqui. Nada acontece para lá da fronteira da espera, dos olhos feridos que tentam (desesperadamente) encontrar alguém para (re)encontrar uma poltrona vermelho-escarlate. Tenho saudades não do que perdi, nem do que vivi, mas do que me falta viver. É vão pensar que sentimos falta do que nunca tivemos, mas eu acho que é isso. É isso que me leva a atacar tudo com os dentes, em ferros, como quem espera ter o mundo na mão no primeiro instante. Esqueço-me que a conquista é mental, é mentirosa, como a esfera armilar de um alquimista.

Glória e arte

A manifestação artística eleva as pessoas a um patamar de excelência em si mesmas. Criar o que quer que seja é um profundo acto de amor e uma necessidade intelectual: uma dádiva aos outros e a si mesmo. É como falar ao espelho, mas ser ouvido, escutado, interpretado vezes sem conta. A obra é a clara parte do corpo fora dele mesmo. É uma alma prostituída pelas visões dos outros acerca de um corpo e uma alma de quem ousou dar de si. Toda a coisa criada em profundo acto de transfusão e transfiguração emociona-me profundamente. E arte não são só coisas. Arte não são coisas. Arte não é nada, mas um tudo diverso para poder chegar a todos. E a maior peça criativa, do canivete suiço de Deus, são os Homens. A inocência pura e cândida da infância revela a auto-criação constante, sem juízos nem pré-juízos. É despudorada e básica. É criativa sem fim. Como o corpo que cresce para a roupa jamais servir.  São as criaturas que me emocionam. E é isso que respeito profundamente como quem aplaude um b
Tudo morre enquanto conseguimos ver como morre. É talvez a pior sensação do mundo: a de deixar perecer, aos poucos. E não conseguir controlar nem contrariar esse fim. Há meses tinha escrito precisamente estas linhas, numa outra morte. Não estas, na verdade. Mas umas parecidas. Cara abaixo, ver morrer. Mais um luto que provavelmente vai aparecer. Mais um cortejo que terei que inaugurar. E mais uma página. Bonita página de negra que é.  "Vem, e o tempo pode afastar nós dois. Não deixe tanta vida para depois.  Eu só preciso saber como vai você." Luís Gonçalves Ferreira

"Andiamo"

Gosto de ver a paz nos olhos das pessoas e recordar as fotos nas quais eu via essa paz. Hoje não a tenho, por motivos vários. (Votei-me a queixar aqui, será sinal que regressei?) Baterei com os burros na água muitas vezes. Sofrerei outras tantas. E escreverei mais vezes, por ser aqui que me sinto livre. O "Facebook" tinha-me roubado essa liberdade. Outrora, teria escrito lá isto e pronto. A frase bonita terminava nos quatrocentos e vinte caracteres da ignóbil existência do prazer-fácil moderno. Mas não. Tenho-me devolvida a liberdade de ser quem eu sou, ou da pessoa que aqui cultivo. Só me liberto e dou aquilo que quero. Aquilo que pretendo. São as minhas inspirações, no fundo. A minha verdade. Escapei ao azar com uma sorte colossal. E é isso o mais importante: a sorte que nos oferece coisas. Andiamo . Tenho saudade de paz de espírito, mas tenho sorte. Dizem-me os metros ao poste e os milésimos de segundo sem nenhum carro na outra faixa de rodagem. Luís Gonçalves Ferreira

Heresia

A ideia de escrever um livro nunca me foi completamente distante, confesso-vos. Sempre sonhei com isso, até para completar as máximas da vida: escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho .  A terceira máxima poderá ser a última, por certo. Sempre cresci com ideias fortes de família, sei que tenho competência para educar alguém, mas é uma variável que merece o máximo de responsabilidade.  Plantar uma árvore é a mais fácil das máximas de vida, por certo. Basta sair de casa com essa convicção. Se chove, com ou sem pá, aqui ou ali, são meras variáveis da convicção. Estão para além dela, mas influenciam a gravação do momento no teu livro da vida.  Escrever um livro é a máxima angular. Não sei se tenho criatividade suficiente para o fazer. Não sei se tenho genialidade suficiente para isso, mas dizem-me que sim. Verborreia dos outros? Gentileza alheia? A confiança em (certas) bocas indicam-me o contrário. Fomentei este blogue durante mais de dois anos com a vontade de publicitar a m