Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2014

Pior dos Desertos

- “Olá, boa noite. Sejam bem-vindos a mais uma sessão de Entrevistas Improváveis. Esta noite trago-vos uma convidada especial: chama-se Andreia Pedro, tem 35 anos, afirma-se como a encarnação do Medo com o livro «Ser Medo».” - “Andreia, diz ser a encarnação do Medo. O que a faz afirmar-se como tal?” - “Na verdade, eu não sou a encarnação de nada. Isso far-me-ia filha de uma Virgem concepcionada por um Espírito qualquer. E não, eu tenho uma mãe e um pai e eles fornicaram porcamente para me concepcionar. É lógico, também me disseram que vinha de uma cegonha, e que era filha de um amor profundo. Acho que o fizeram por medo de eu não perceber que tinha sido criada num acto tão humano e sujo como é o sexo. Descobri, na escola, a verdade e fiquei bem, apaziguando quando entendi que o sexo deles era uma profunda sinfonia de um amor desejado.” - “Bem, fez uma observação irónica. Qual é a sua posição em relação à religião?” - “Eu fui criada católica e permito-me a ironizar essa

autoscopia

Plantei um pedaço de silêncio na palma da mão. Reguei-o com cuidado e devotei-lhe meditação. Houve tempos em que desesperei por não conseguir comunicar. E tempos houve em que achei que a minha voz se tinha calado, mesmo falando. Tive dias de um desespero de horas e tive horas com a liberdade de um segundo. Passei por rios que corriam ao mar e por mares que desesperavam galgar rios. Conheci homens que pareciam mulheres e mulheres que nasceram com alma de homens. Conheci pessoas livres, onde os nomes não faziam sentido e os afetos lembravam a sensação de andar num voador, como quando somos bebés. Existiram dias em que desesperei por companhia e tive companhias pela quais me desejei a estar sozinho. Encontrei momentos que faziam lembrar flores e flores que me davam argumentos para querer esquecer momentos. Eu olhei as ondas e vi morte e olhei-as a seguir avistando esperança. Dias existiram em que só queria desaparecer e outros em que formulei tantos sonhos como aqueles que um dia quis co

O nosso futuro é uma metáfora

“A mamã e o papá não passavam de duas crianças quando se casaram. Ele tinha dezoito anos, ela dezasseis e eu três.” Agora tenho vinte e nove anos e a minha namorada vinte e oito. Estamos juntos há oito anos e não pensamos em casar, mas já vivemos juntinhos que nem pombinhas branquinhas em ninho de amorzinho. Vimos muitos filmes, em meninos, e achamo-nos unicórnios especiais em cima de grama verde. Brotamos um arco-íris das asas e os outros não (ou foi nisto o que a sociedade nos fez acreditar).  Ela chama-se Ana, é filha de pais médicos, agora divorciados. Em pequena queria ser arquiteta, e depois pintora, agora é uma designer medianamente reconhecida. Tem um salário de mil e poucos euros, em que o Estado lhe paga metade do mesmo. Na verdade, o trabalho dela vale pouco mais de quinhentos euros e um subsídio de alimentação em cartão de compras. Sou o Márcio, os meus pais estão juntos, e fui criado pela minha avó. Não namorei até ao meu segundo ano de faculdade e fui praxado. Be

Um puto

Tens uns olhinhos bonitos, redondinhos e uma pele morena, cheia de trópicos e personalidade. És um matreiro, e gritas, num "disfarce-sorriso": tirem-me daqui. É um sofrimento pequenino como o teu corpo: uma mágoa aqui e outra acolá e uma rebeldia teimosa que te esconde o medo original. És como um projecto imperfeito, mas daqueles para os quais olhas e pensas "outras bases fazer-te-iam obra-prima".  Desejo-te um futuro bonito, muito longe da hipocrisia, do sofrimento e da traição que te rodeiam. Espero que sejas diferente e saibas sê-lo, dignificando-te assim. E que um dia, lá longe, saibas amar livremente, sem tentares acorrentar quem te sangra a alma e faz bem. O amor é uma liberdade, espero que aprendas. E que um grande amor te ensine contentares com o medíocre, nos sentimentos e na vida. Espero que não mintas por imagens, pois essa é a forma mais simples de nos enganarmos prolongadamente no tempo. Não faças fugas em frente.  Suja-te muito. Faz asneiras e

Sobre o mar e a nossa pequenez

Imagens recolhidas junto à Foz do Douro, hoje.  Na freguesia de Mar, em Esposende, existe, ao pé da Igreja, uma pedra de consideráveis proporções, que outrora fora sedimento de uma rocha maior, naquilo que outrora seria ainda mar. Dizem as gentes que por lá cantam, que o um dia as águas virão buscar tudo o que deixaram ficar. A natureza tem este condão de consciencializar do quão pequena e insignificante é a força humana.  Luís Gonçalves Ferreira 

Sobre a morte de Eusébio

Foi hoje a enterrar a última grande glória do Estado Novo. Feito pobrezinho, comedido, como a sociedade que Salazar defendia, Eusébio plantou-se com a força do seu inquestionável talento no memorial colectivo português. Como a História quehoje aprendemos na escola, o passado que de tão pouco nos orgulhamos - e alguns teimam em fazer de conta que não existe -, Eusébio é em si a mentalidade portuguesa, fazendo-se em si próprio uma confusão mística sobre o Portugal colonial e o Portugal moderno. Sem efeitos de borbuleta, Eusébio sempre mereceu o meu respeito, quanto mais não seja por nos fazer conscientes do que somos, enquanto agregado de gente. O resto são tretas. Isso e quem teima em confundir Eusébio com outras coisas, especialmente conflitos de egos, e problemas bem mais importantes e significativos, como a nossa falta de cultura e educação para as artes e o pensamento crítico. Morreu o Eusébio, mas o Estado Novo que há em nós não. A Amália, o Eusébio e a Nossa Senhora de Fáti