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Mensagens

Aceitação do Prémio Lusitania História – História de Portugal Academia Portuguesa da História

Senhora Presidente da Academia Portuguesa da História, Professora Doutora Manuela Mendonça,  Senhores Membros do Conselho Académico, Senhoras e Senhores Académicos,  Senhor Dr. António Carlos Carvalho, representante da Lusitania Seguros, S.A., Ilustres Doadores,  Senhoras e Senhores,  Vestidos de Caridade, Vestidos de Fé, Vestidos de Serviço, Vestidos de Pátria.  São vários os nomes que podem ter os vestidos que, ao longo da História, foram oferecidos de ricos para os pobres, dos homens e mulheres para os deuses, dos senhores para os seus criados e criadas, de um país ou reino para o seu povo, do ser que não se é para o que se quer ser. Em todos eles há pedido, necessidade, dádiva, hierarquia e crepúsculo. A minha avó Júlia, costureira de ofício e filha de um armador de caixões, fez durante décadas roupas de “anjinho” que alugava nas festas e romarias do Minho. Miguel Torga, num de “Os Contos da Montanha”, referiu que nem o Coelho nem outro qualquer da aldeia o reconheciam vestido de c
Mensagens recentes

Arqueologia da aparência

Na urdidura do meu livro falo das diferenças conceptuais entre o traje e a da indumentária. Enquanto o primeiro incorpora referências do passado ou recria algo fantasioso e/ou folclórico, o segundo integra-se no fenómeno de moda e contempla elementos de distinção e competição em relação à aparência dos outros; o sujeito interpreta um signo diferente e procura destacar-se pela sua incorporação na imagem que inventa de si. Afinal, a moda, em todos os objetos de consumo, vive do passageiro e do fugaz e é, nesta medida, um importantíssimo documento histórico. Este vídeo* ilustra completamente as profundidades temporais diferentes dos dois conceitos, mas fá-los conviver num mesmo plano artístico e imagético. Esta distinção falta, regularmente, a quem trabalha na etnografia ou na história da moda/roupa/traje e é especialmente grave nestes últimos, porque acrescenta à crítica à fonte e ao sujeito histórico a que se refere  No vídeo*, enquanto o corpo se movimenta num sentido de indumentária -

Verbo ser (humano)

A desumanização não tem que ver com a pandemia, mas com a modernidade doente na qual vivemos. Entre muitos outros aspetos, a modernidade pauta-se pela ausência de empatia para com o outro; transformados em tecnocratas, fazemos muito bem ações instrumentais - de cima para baixo, envolvendo todos os setores sociais e profissionais, colocamos e retiramos muito bem coisas e números de uns sítios para os outros. Falta o resto... Urinar num corredor de um hospital* já não faz parte de uma distopia escrita nos anos 60 a 80 do século passado; urinar num corredor, em frente a todas as pessoas na total ausência da dignidade do SER, vive-se e vê-se no presente; no agora. Aparentemente, vamos deixando de lutar pelas utopias que nos fazem gente. Gente é um conjunto de pessoas; uma família; o género humano. Pessoas são SERES que se tornam HUMANOS nas ações para com o mundo em seu redor. Ser-se humano é tão pouco quanto isto? Luís Gonçalves Ferreira (*) Texto escrito a propósito de um vídeo que circu

Vestidos de caridade

O dia de hoje é muito especial. O meu primeiro livro, que publica a minha dissertação em história, não tem poesia nem os jogos de palavras dos textos literários, mas inicia-se com uma belíssima metáfora: a teia é urdida, colocada no tear e, com a ajuda dos pedais e pela força dos braços, põe-se a trama a brotar e o tecido a crescer. O têxtil cria-se como também se inventam as categorias do nosso pensamento. Conhecimento e saber, como o pano, são uma belíssima escultura que se realiza pela adição de matéria. Têm defeitos e cicatrizes, cruzam textos com contextos, mas são coisa honesta e rigorosa. Estes vestidos da caridade são um roteiro e um horizonte. Por adição de camadas e panos, vi coisas tornarem pessoas em muitas realidades paralelas. Poder, representação, metamorfose, identidades inventadas e, muitas vezes, oprimidas. Este livro é sobre roupa, ricos e pobres, atores de um tempo cuja memória em grande parte se perdeu. O pó dos livros e a existência de uma vida reduzida a um

Borrego agridoce para a mesa três!

Enquanto expressamos a nossa sinofobia sobre a proveniência da COVID-19 e andamos preocupados com as excentricidades alimentares dos chineses, esquecemo-nos que o Pingo Doce, na televisão generalista, promove borrego a 3,99€/kg, com honras de fala da CEO da empresa. Que relação têm os hipermercados ocidentais com os mercados urbanos asiáticos? Tudo. Ora vejamos. Uma ida à loja online do Continente revela-nos que, naquele outro megasuperhiper-mercado, a carne de um borrego inteiro com 5kg, em promoção, custa 8,99/kg (1): mais do dobro de que no Pingo Doce. O bicho, inteiro, custar-nos-ia quase 50€, mas o preço era maior, rondava 74€; esta diferença já deve espelhar a concorrência e os eventuais desajustes entre a oferta e a procura. Repito: numa outra linha de distribuição alimentar. Uma notícia do Diário de Notícias de 2019, indica-nos que o preço do borrego vivo era de 2,80€/kg (2). Confesso que não conheço o seu preço justo e não percebo nada de pecuária nem de retalho, contudo

Plataforma, fé e quarenta

O filme Plataforma, em exibição na Netflix, é particularmente pertinente nesta fase em que as casas de cada um, e as condições da sua quarentena, espelham de forma paradigmática as desigualdades e assimetrias sociais: ter ou não ter casa; poder ou não estar em casa; ter ou não ter emprego estável; ter ou não ter internet; ter ou não ter televisão; ter ou não ter jardim - é o que nos distingue e paradoxalmente unifica. Isto parece ser sempre sobre acumulação e desperdício. Parecemos ratinhos a girar na roda da privatização e da civilidade - etiqueta respiratória em casas abertas ao alheio. Sempre em poder pela distinção. Violento em muitos momentos, porque também o nosso quotidiano e as nossas casas escondem violência, o filme é uma metáfora para a forma pornográfica e irresponsável como os países ricos usam e abusam dos recursos do planeta terra, levando-o à exaustão e à circulação dos “restos” para os países pobres: dos serviços à indústria. No filme, a partir do 50.° andar não há

A nova guerra

A competição entre os países tem duas feições: 1) quem toma as medidas mais musculosas e se torna a democracia capaz de ser menos democrática em estados de extrema necessidade; 2) quem politicamente lidera o processo e encabeça a civilização ocidental. No entretanto, tudo fica mais confuso quando a metade anglo-saxónica da coisa (EUA e Reino Unido) parece ter emparvecido definitivamente. No entretanto, a mesma fantasia pelo quantitativo nos seus efeitos anti-depressivo e ansiolítico. Gente, as curvas são pessoas e não os preços do barril de petróleo na Arábia Saudita! Luís Gonçalves Ferreira Escrito em 22 de março de 2020