Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2016

Meados de maio: o mês das flores

Olhei e vi-me ao espelho. Desejei tantas vezes que chegasses até mim que me perdi nos entretantos. Encontrei-me na universidade, nas casas novas que compunha e nas ilusões que cultivava. Invejei muitos amores ao meu lado: histórias contadas sobre as férias passadas juntas. Quando seria a minha vez?  Chegaste e nem dei por ti. Senti que te esperei a vida toda, mesmo quando, entre sofrimentos e lágrimas, me jurava voltar a amar. Entraste e nem convidei. Quando reparava já sentia o teu cheiro colado à minha pele e boca encostada na minha. Abri os olhos e achei-me adormecido: os pés, as mãos e todo o corpo eram calor. Fomos para a serra e para junto do mar: conhecia apenas as ondas pelos sofrimentos aliviados; contigo conheci-as pelas alegrias que traziam. Castelos, brisas e ventos. Sopros. Ensinaste-me sobre o mar.  Desejei que chegasses. Tantas vezes. Escrevi, outrora, que sentia a pele tão quente e achava ter chegado a minha hora. Chegou. Tenho os nossos rostos na minha cabeceira

Desigualdade das mulheres

Na Praça de Alegria (RTP1), há pouco, discutia-se a igualdade de género. O painel de discussão era composto por dois homens (o apresentador e um convidado) e duas mulheres (a apresentadora e uma convidada). A conversa foi absolutamente monopolizada pelos homens e estes começavam quase sempre a responder primeiro do que elas. Enquanto isso, concluíam que as gerações mais novas, já "consciencializadas" em relação às disparidades de género no acesso ao emprego (por exemplo), sofreriam menos a discriminação - areia.  O problema, a meu ver, reside precisamente na desigualdade que acontece no silêncio, entre a argamassa que monta os tijolos; na mulher que deixa o homem falar primeiro; nas mulheres que não manifestam opinião política e deixam que os homens pensam por elas, intervindo em seu nome. Não acredito que os homens não possam ser feministas (como a Mariana Mortágua), mas tenho uma crença profunda de que o processo de mudança tem que ser iniciado pelos discriminados. A sua

liberdade, Gisela João e o tempo em que estamos*

Gisela João,  Labirinto ou Não Foi Nada  Sou testemunha de um tempo - feliz, é certo - em que, no canal aberto da televisão nacional, um programa de transformismo vence audiências. Sou do tempo - feliz, é certo - que, após uma besta quadrada fascista ter vencido as eleições na América desfeita, o fado me congratula com alegria. Passado e futuro; aceitação, verticalidade, tolerância e amor. Só amor. Sou do tempo - meus netos, filhos e anciãos da memória - em que o amor vencia nas ruas e nos palácios de gelo, enquanto o ódio ganhava votos no fundo de uma urna.  A democracia cai nas ruas da amargura; as pessoas não. Enquanto houver memória (que Deus guarde a minha), e se tudo mudar entre uma guerra ou um caos de fome, a cultura dirá aos vindouros, em jeito de recordação, que vivemos um auge bonito de aceitação; um culminar absoluto de beleza no ser quem se quer ser.  Olhamos tantas vezes para o passado, procurando glórias e impérios, esquecendo que o maior triunfo é o nosso pre

Sobre a eleição do Trump

Queria escrever algo sobre como é arrepiante acordar ao som de uma vitória de Donald Trump nos EUA, mas não consigo denunciar mais do que o meu lamento. Resta-nos acreditar na democracia americana, no controlo e interdependência de poderes.  Acordar com a vitória de Trump é o similar ao despertar com o Brexit. Não reconheço este mundo em que vivemos, que faz do ódio, da xenofobia e da intolerância realidades institucionalizadas. O voto popular, ferido de morte pela crise, baba-se perante a bandeira de um prato de comida. Algo de errado se passa connosco: ou perdemos a racionalidade, a inteligência e a sabedoria sobre o poder do voto; ou sistema prova que não presta. Contudo, não somos americanos e, pela leitura do poder representativo, a eleição americana não nos diz respeito diretamente, como não cabe aos japoneses interferir nos factos que lhe empobrecem a bolsa de valores. A democracia permite a ascensão de ditadores, como se fez prova ao longo da História.  Não sei o que é dor

Pedras que falam*

Foi numa quinta-feira, no centro da cidade, junto à inscrição romana à deusa Ísis, que assistíamos a uma aula de Epigrafia. No mesmo dia e pelas mesmas ruas, centenas de estudantes trajados (e por trajar) exibiam os seus gritos e marchas, carregando litrosas e misteriosas misturas. Entre veículos municipais de limpeza, barulhos de praxe e silêncios ocasionais, prosseguia a aula, cautelosa e curiosa, como sempre.  Eis que, pelo silêncio das traseiras da Sé, chega uma senhora ao grupo, acomodando-se ao meu lado. Olhos claros, de meia idade, com poucos dentes e aspecto mal-tratado. Cruzei-lhe a pinta e reconheci-a doutros burgos: pedia moedas, na rua, numa sabedoria capitalista de quem, com educação, abordava todos os que, pela sua indiferença, a marginalizam Eram curiosos os seus silenciosos olhares e carismáticos os sorrisos que oferecia. Colocou questões, levantou e repôs os óculos escuros, interrompeu a aula, vestindo a pele de aluna recém-chegada a um tema de que "não perce

Horas pardas

Morreu Deus. Morreu a Ciência. Morreram a Nação e a Pátria. Morreram a Liberdade e a Felicidade. Morreram a Cultura, a Fé e o Amor.  Morreu a Filosofia. Estamos vivos, então, de quê?