Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2014

Expresso da meia-noite

Cheira a bolo. A última vez que desenhei esta receita ainda estavas aqui, algures entre o sofá e a meia temperatura daquela visita à cozinha. Cheira a bolo quando entro em casa e a ti, de rompante. A tela continua quieta, no mesmo sítio, talvez à espera que voltes. O espelho continua ao contrário, com as costas viradas para aqui. Parece que está de castigo, como quando somos crianças. A tua roupa está na gaveta, a escova também e um silêncio grelado nas mesinhas velhas limpas e arrumadas contigo. Ainda tenho coisas para te entregar e um sufoco doido no meio da voz. Ele não sai, por entre trabalhos e as horas que se querem o mais ocupadas quanto possível. Talvez seja o cansaço e o peso de mais um dia de trabalho. Talvez seja este silêncio gritante de quando entro em casa. Talvez sejam as respostas por dar. Esta merda de ter que fazer um risco no chão e dizer "somos desconhecidos" chega a ser imoral de tão estranha, mesmo que necessária. Há coisas na vida com as quais nunc

O amor incondicional existe

Ia escrever um imenso texto sobre a minha mãe, mas fiquei mudo, porque me parece tudo ridículo. Por que quando se sente tudo isto por alguém e se vê tanto que de explicável pouco tem, as palavras todas do mundo não chegariam. Às vezes é preciso saber ficar em silêncio e demonstrar coisas. Por que terá sido o silêncio o maior ensinamento que, destes 50 anos dela e 24 de convivência mútua, importe.  A minha mãe faz 50 anos hoje. Só espero um dia ter a dignidade suficiente para ser um pai como a mãe que ela foi para mim. Não me falta nada e o amor é tão grande que, como os lugares da mesa grande que temos, chega para mais um. A minha mãe tem uns olhos verdes oceano dos mais bonitos e profundos que já vi. Está cansada, de tanto trabalhar, mas sei que o faz por mim e pelas minhas irmãs. É a maior âncora e o maior suporte. E talvez a maior imensidão que guardo. A minha mãe surpreende-me todos os dias por ser tão infinitamente boa para com os outros. E isso é um guia que me orienta todos

Sábado à noite

É sábado à noite, como muitos outros. A chave roda a fechadura e a porta abre. Um armário à frente, com livros e garrafas por trás. Uma janela ao fundo. Ao lado direito, uma tela. Verdes com grenás tímidos, e um amarelo tosco fundido no fundo. Um televisor mudo e um móvel raso. Há um tapete no chão. E um silêncio toma as rédeas do campo, e do escuro singular que faz nesta mor esquina de uma cidade qualquer. Uma solidão talhada a canivete, devagar para não doer. Um atalho para a minha própria mente: uma explosão entre a surdina do televisor, os livros por terminar e um longe da família que escolhi. Há mil cores na tela, e um espírito penumbrante que me dá cabo da espinha e adormece os pés: é a idade e o desrespeito pelo corpo que gritam tão alto quanto as cordas aguentam. Nem o piano é tão branco e nem a música me comove da mesma forma. E há rotina inteira para recalcular. E um vazio de perguntas por responder. O silêncio sempre foi uma cena fodida. Por meses esqueci-me disso. Acomodei