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Expresso da meia-noite

Cheira a bolo. A última vez que desenhei esta receita ainda estavas aqui, algures entre o sofá e a meia temperatura daquela visita à cozinha. Cheira a bolo quando entro em casa e a ti, de rompante. A tela continua quieta, no mesmo sítio, talvez à espera que voltes. O espelho continua ao contrário, com as costas viradas para aqui. Parece que está de castigo, como quando somos crianças. A tua roupa está na gaveta, a escova também e um silêncio grelado nas mesinhas velhas limpas e arrumadas contigo. Ainda tenho coisas para te entregar e um sufoco doido no meio da voz. Ele não sai, por entre trabalhos e as horas que se querem o mais ocupadas quanto possível.

Talvez seja o cansaço e o peso de mais um dia de trabalho. Talvez seja este silêncio gritante de quando entro em casa. Talvez sejam as respostas por dar. Esta merda de ter que fazer um risco no chão e dizer "somos desconhecidos" chega a ser imoral de tão estranha, mesmo que necessária. Há coisas na vida com as quais nunca me vou acostumar. E esta é uma delas.

Houve dias que a pele era tão quente que achei finalmente ter chegado a minha hora.Não sei se disse a tempo sobre o valor da tua companhia.

Luís Gonçalves Ferreira

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