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A mostrar mensagens de abril, 2015

Cântico dos cânticos

Eis que me toma a noite. Aos golos, como o último whiskey que bebemos juntos, no mar. Lembro-me de tudo em ti, principalmente a saudade que já não tenho. Recordo-me do barulho que as ondas faziam no meu peito apaixonado. Os nossos corpos suavam ainda quietos, por saberem das tentações que juntos comungavam. Titãs observantes de Cartago a Roma. Éramos como fiéis a caminho de Santiago, talvez ultrajados pela promessa de uma vida em paz.  Recordo-me do peito flamejado que sentia. Da ardência dos olhos que torneavam as memórias de perdas e alcances que consumíamos.  Tenho sete saudades na vida, como os gatos e como Jesus as disse na cruz.  Três saudades já as perdi.Tenho quatro saudades sobrantes e não sei que destino dar. São quatro mortes, três vidas restantes.  Uma vida perdi-a, se calhar, em ti. As vírgulas mergulham-me. Embato numa memória e o dicionário cai da estante como a abóbada que ruiu na catedral.  É abril e não há flores no meu jardim. Ainda sinto o cheiro bra

sobre a escrita

O poder das palavras é inquestionavelmente infinito. São o nosso maior compromisso para com os outros: fusão do planisfério da mente com o concreto dos sentidos.  Sempre senti uma disfunção entre o painel do cérebro e a capacidade de concretização. Como se palavras fossem poucas para personificarem o que, de leve, pelos pensamentos transborda. É de um caso de deficiência muda na comunicação, ou escravatura dela, se tratasse. Digo, muitas vezes, que sinto uma prisão enorme dentro de mim próprio. Como a voz gritasse, em desespero, "salva-me", e as pernas nem do lugar conseguissem sair. Como se as emoções tivessem sido enclausuradas e uma parca tristeza em relação ao mundo se acumulasse.  O dinheiro, o poder, o amor e os jogos de ego. A incapacidade de relacionamento e uma doença interior que cresce, como um cancro do sentir. Dizia hoje, a uma amiga, que passei de uma tristeza desiludida para uma tristeza calada. Como se o desintegrar absoluto do mundo tivesse conquistado o

Cheiros Autênticos

E, desde então, iam-se morrendo constantemente. A cada traço que riscavam, às coincidências das quais se afastavam, e das palavras que jamais diziam. Sabiam que se amavam e negavam-no, porque a ferida rasgada é mais forte do que o poder de todas as coisas vividas. Eram, entre os dois, maiores do que as suas partes somadas. Chamaram-nos de amor, mas poderia ter sido outra coisa qualquer. Às vezes parecia uma guerra, outras um funeral, mas houve momentos em que a felicidade era tamanha e os gregos choravam, os romanos gritavam às tropas e os modernos - eclipses da ciência - renovavam os votos. Eram contemporâneos: intensos, do amor romântico; poetas lúcidos e confusos da nova ciência feita deus. Houve dias em que eram batalhas e outros autênticos estranhos em terraços paralelos.  Vão quatro anos e o aniversário deve ser por estes dias.  Amar levanta a pele, em todos os sentidos, mas não solda. Soldar-se faz-se sozinho. Ainda dói, aqui no peito, e tresanda a morte. Poder-se-ia chamar