Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de agosto, 2017

o que foi que aconteceu?

Recordo saudoso o primeiro dia em que te vi. Sinto que me apaixonei antes de ti; recortei bem o teu rosto, os teus lábios e o teu sorriso; desenhei muitas vezes a vida que tivemos juntos; tive-a antes de te ter. Lembro-me de não sentir muito do tanto que era amar-te mais de todos os dias. Ainda me tropeçam lágrimas por nunca esquecer os teus amigos, aqui em casa, rindo, enquanto planeava o próximo beijo que iria dar, naquele intervalo saudoso dos livros e dos móveis que, em conjunto, distribuíamos.  Hoje, depositado na minha solidão, sendo refém de algum desdém, encerro a alma e recordo o teu cheiro, no bom gosto que emprestavas aos teus cozinhados ou às camisas que engomavas.  Olho a porta de madeira e imagino-a a abrir, comigo sentado no sofá, à tua espera, meio furioso por mais uma demora; saudades.  Nada disto é igual desde que nos separamos. Dantes sangrava em jato, a cada despedida, mas hoje vais em conta-gotas. Chamam-lhe maturidade e eu entendo distância.  Tenho saud

Ode à Virgem das Dores

Choras tu, Mãe Dolorosa, pelo filho perdido, morto e escarrado. Choras tu, Mãe das Mães, pelo filho encontrado, abandonado e elevado; Choras tu, Mãe das Dores, pelos milagres assistidos e as virtudes anunciadas. Choras tu, de mãos abertas e desencontradas, com olhos desesperados procurando a ressurreição. Choras tu, mãe do Mundo, nas sete setas cravadas no teu peito, uma perante outra; uma por entre a outra. Aceitaste a profecia no templo; tomaste o medo no caminho para o Egito; desesperaste as ruas no caminho inocente ao templo; sujaste as mãos do sangue do Cristo pelo caminho ao Gólgota; morreste por dentro quando Ele morreu na cruz, entregando-te a João o Amado, sabendo-te, mesmo assim, eternamente sozinha; desesperaste por dentro quando o sentiste frio nos teus braços; sorriste de pranto quando Arimateia, o homem rico de Jerusalém, ofereceu um túmulo para o corpo vagabundo e chagado do Emanuel outrora fruto do teu ventre, agora mártir e profeta de todas os tempos. À V

solitude

Relembro as nossas fotografias; os eventos a que fomos juntos; as coisas que nos dissemos; as promessas que fizemos. Relembro-nos nos recantos que construímos e em todas as coisas que estão nos mesmos locais, após todo este tempo de meia-estação. Escrevo-te perante o silêncio que ecoa no regresso... Mudei em todos os entretantos que surgiram; em todas as negações que provoquei; em todas as provocações que evitei. O discurso do equilíbrio, da temperança e do amor universal encontram-se nesta letargia que sinto, agora que esse tumor que é a saudade se fez gente dentro de mim. São alguns minutos de solitude por dia que, como chuva de verão, secam corações insatisfeitos. Era mais novo e escrevia sobre auto-diálise. Somos, por entre o infinito, os nossos medos. Sou os meus medos: restam dúvidas, as mesmas certezas e umas tantas barreiras invisíveis.    Luís Gonçalves Ferreira 17 de julho de 2017

Sábado de aleluia

Agora que Jesus morreu pouco resta para além da roupa do meu corpo. Não está ninguém e existo sozinha. Restam-me o amado João e a caridosa Madalena. Sobra-me um leito cheio de angústias... a imensidão vazia de um ventre ainda esmagado pelo corpo morto do seu bebé. Quando perdi Jesus, o meu mundo terminou e a coroa celestial do futuro significava pouco para mim. Agora não há anjo que me fale, milagre que me conforte ou esperança no meu rosto. Desde que Jesus se foi, amarrado aos pecados do mundo, vivo só. João dedica-se a escrever tudo quanto viu e promete-me tatuar o seu mistério na humanidade. Madalena, dormindo ao meu lado, agarrando o meu pranto, diz-me que Ele há-de voltar. Sei, porquanto, que o meu filho, mesmo que volte, não é mais meu. Como nunca o foi. Relembro os pastores e os reis que o beijaram... simples árvore de onde nasce o fruto; memorizo a fuga para o Egito... simples escudo de um reino sem fortalezas. Vi-o crescer na certeza absoluta das muitas lágrimas que derrama