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Sábado de aleluia

Agora que Jesus morreu pouco resta para além da roupa do meu corpo. Não está ninguém e existo sozinha. Restam-me o amado João e a caridosa Madalena. Sobra-me um leito cheio de angústias... a imensidão vazia de um ventre ainda esmagado pelo corpo morto do seu bebé.

Quando perdi Jesus, o meu mundo terminou e a coroa celestial do futuro significava pouco para mim. Agora não há anjo que me fale, milagre que me conforte ou esperança no meu rosto.

Desde que Jesus se foi, amarrado aos pecados do mundo, vivo só. João dedica-se a escrever tudo quanto viu e promete-me tatuar o seu mistério na humanidade. Madalena, dormindo ao meu lado, agarrando o meu pranto, diz-me que Ele há-de voltar. Sei, porquanto, que o meu filho, mesmo que volte, não é mais meu. Como nunca o foi. Relembro os pastores e os reis que o beijaram... simples árvore de onde nasce o fruto; memorizo a fuga para o Egito... simples escudo de um reino sem fortalezas. Vi-o crescer na certeza absoluta das muitas lágrimas que derramariam meus olhos... já cheirava o sangue que varreria Jerusalém e ouvia os gritos de dor que me acordam todas as noites.

Morreu-me um filho e apenas a esperança no sono eterno me descansa. Que chegue rápido, imploro e suplico. Encorajam-me os que batem à minha porta para que lhes lembre Jesus. Sinto-o perto nesses momentos em que abraço os estranhos de quem escuto Deus em sussurro.

Sinto raiva e dor; pergunto-me todos os segundos pelo que fizeram ao meu menino. 
 
Luís Gonçalves Ferreira

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