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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2013

Poema ao Vinho

Trago a trago, mel e fado, desliza, rolante, pelas catacumbas do ser. Tinto e doce, amargo em falso, até vinhos merecem preces. Poeta em canto, prosa em verso, que triste inverso. Cansado, regata a vinha, empola o mosto, resgata a tinta e encosta o gosto. Suave e quente, garganta abaixo. Tinto escarlate, pretexto de engate... poema.  Luís Gonçalves Ferreira

Um cancro maior

As pessoas criam obsessões pelas coisas que perdem e por aquilo que não conseguem obter. Parece que esta é a premissa correcta da qual partimos para, na aparência, tentar justificar o bando de doenças mentais que atacam as nossas visões, na sociedade post -moderna em que vivemos. Uma vida estável, uma casa própria, um carro nosso, e a capitalização total do sucesso através da acumulação de coisas: como se as metas da nossa vida e dos nossos sonhos estivessem, agora, a morar fora de nós; como se a vitalidade do ideal da felicidade acerca da própria vida andasse noutras estradas, exterior ao nosso total e dependente controlo. Perdemos talvez o maior sentido da existência humana: aquele que depende exclusivamente da nossa atitude perante o mundo e os outros. Somos mais covardes, mais egoístas e a margem de esforço para conquistar algo diminuiu grandemente em relação a gerações passadas; parece que é só a sorte conquista uma carreira ou uma ideia genial... Das histórias sobre o Facebook,

O Coração e os Nomes

Todos morreremos?, exclamou o Apóstolo, perguntando ao Mestre. Eu Morri, retorquiu de imediato o que se sentava à direita Dele. Repetiram-se imensas outras respostas, umas mais proféticas e inteligentes do que outras. O Mestre continuava em silêncio. Rapidamente a sua amada, levantou-se e perguntou: Mestre, porque falas tanto em silêncio? Ele, ainda calado, levantou-se, fez-lhe sinal e trocaram de posições na mesa. Na verdade, não havia amor como aquele. Estava Ela agora ao centro. Numa assertividade arrepiante, o Mestre profetizou: A Morte é isto - uma leve troca de posições. Eu aprenderei a viver neste local e tu nesse; e os outros, na base destas palavras, construirão as suas esperanças e sofrerão as suas desgraças. Às vezes, na vida, um floco é um nevão e uma torrente tão-só uma chuva que nos molha o rosto. Importa daquilo que ti, dos teus olhos, do teu pensamento, dos outros, apreendes para a vida. O que são neves e tempestades ao pé do abismo que é o nosso coração? Será lá que m

Ginástica

E esse é o maior sinal de amor profundo: o de cair no imenso que é deixares de acreditar em tempo e em espaço e no significado da matéria nas transmissões da química. É o de brincares com premissas e palavras e jogos de rimas e encaixes; e é fazeres barulho no silêncio e silêncio quando só há barulho. É o de sonhares acordado, a dormir, ou num mortal encarpado com a cabeça nas coxas do mundo que mais te deixa confortável. É do sufocares ao veres uma foto onde não estiveste. Talvez seja saudade, no simples que isto é. É apenas e só aquilo que sei sobre o amor, e nada me prova que esta é uma verdade absoluta. O melhor de tudo é que nunca lutei por coisas absolutas, mas sempre quis ser absoluto. A certa altura percebo-me e digo que sou um cortejo de contradições, de hipocrisias e de falsos censos. E até chega a magoar quando fazes da tua vida um desfile de pormenores que tentas, com canseira, compreender. Luís Gonçalves Ferreira

amar envelhece

Estou farto de gostar de ti. De pensar em ti todos os dias. De ocupar os meus adormeceres e acordares contigo. Estou aborrecido de te amar. Velho de te amar, sabes. Gostar de ti cansa-me, cada vez mais. Estou exausto desta pausa de mim mesmo, do querer mais que bem querer. Estou farto. Esta merda de amar é uma foleirice e este texto, como todos os outros, é-o também. Faço-os para fugir de ti. Estou corcunda de te imaginar com outra pessoa, a fazer o que fazíamos, a dormirem na cama que dormíamos, a ouvirem as músicas que me prenderam a ti. És romântico e complexo e isso é fascinante. Fascina e magoa. A mim como à pessoa que te partilha o leito: tu não gostas de ti e sugas os outros; não sabes largar; és um egoísta e eu um ressabiado de primeira, porque nunca será pacífico a rejeição de não teres querido lutar por nós. Doem-me as tuas mentiras e a imagem errada que crias de ti mesmo: já pensaste a fraude em que te tornaste? Um vendilhão de uma imagem errada. Desculpa dizer-te isto, mas

A mulher adulta, o pai da sua filha e a outra

Há um canal de televisão em que uma mulher adulta convive com o pai da sua filha. O pai da sua filha apaixonou-se, aparentemente, por outra. A outra é mais uma, na equação de soma que ele parece ter feito a sua vida. A mulher, aparentemente adulta, é vulgar como a maioria das mulheres: culpa a outra, mas corre atrás dele; e não consegue objectivar culpas, porque está cega. Tenta dormir com ele. Força-o em beijos, em olhares, em significados. Usa a filha como arma. Ele, que não tem escrúpulos, alimenta-se disso: rega-lhe as plantas, e garante que tem uma cadela pelo maior tempo possível. Aceita que ela se iluda, faz, humilhando-a, com que o teatro continue. A outra - a que tem menos culpa no meio disto tudo - não vale nada, porque não se afasta e ainda se promove. Também não percebe que na vida as pessoas raramente mudam no campo dos valores, e os papéis invertem-se numa plataforma giratória debaixo dos nossos pés.  E, por mais distante que o programa que falo nos seja, já todos fomo