Avançar para o conteúdo principal

amar envelhece

Estou farto de gostar de ti. De pensar em ti todos os dias. De ocupar os meus adormeceres e acordares contigo. Estou aborrecido de te amar. Velho de te amar, sabes. Gostar de ti cansa-me, cada vez mais. Estou exausto desta pausa de mim mesmo, do querer mais que bem querer. Estou farto. Esta merda de amar é uma foleirice e este texto, como todos os outros, é-o também. Faço-os para fugir de ti. Estou corcunda de te imaginar com outra pessoa, a fazer o que fazíamos, a dormirem na cama que dormíamos, a ouvirem as músicas que me prenderam a ti. És romântico e complexo e isso é fascinante. Fascina e magoa. A mim como à pessoa que te partilha o leito: tu não gostas de ti e sugas os outros; não sabes largar; és um egoísta e eu um ressabiado de primeira, porque nunca será pacífico a rejeição de não teres querido lutar por nós. Doem-me as tuas mentiras e a imagem errada que crias de ti mesmo: já pensaste a fraude em que te tornaste? Um vendilhão de uma imagem errada. Desculpa dizer-te isto, mas é verdade; e tu sabes.
Tenho algumas saudades de não gostar de ninguém em especial e achar o mundo todo cor-de-rosa, no geral. E de sentir falta de estar sozinho, ao invés de andar constantemente a fugir das nossas memórias. É um profissão lutar contra ti, sabes? Estou farto e, assim, já nem fujo nem busco nada. Só estou cansado de gostar de ti. Há dias em que só me recordo da tua cara ao final do dia e a seguir tremelico pelos teus dentes, sorriso, olheiras, e esse desajeitada beleza que me cativou. Estou aborrecido de sentir isto tudo e, como dizias, não vales a pena. Nem isto nem os presentes que te dei nem os sorrisos que te plantei nem os planos que fiz para te ver sorrir genuinamente. Eu amei-te e disso não me arrependo. Só sou um exausto à procura da redenção e do apaziguamento interior. 
Sinto-me uma prostituta russa: velha e decadente; desventrada e cuspida por milhares de homens. Tu cansas-me; fosse este um incómodo físico. 

Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

  1. Está.... Não tenho palavras para descrever... Perfeito acho que é a palavra que mais se adequa!

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!

Mensagens populares deste blogue

Repondo a verdade

Depois de inúmeras tentativas (que agradeço), passo a devolver o dente ao leão, a identificar aquilo que é verdade ou mentira: 1. Adoro manteiga de amendoim Verdade. Quem convive comigo (ou quem me ouve falar) sabe desta paixão. Em pequeno ia para a casa da minha tia e comia pacotes dela. Hoje, depois do sofrimento para emagrecer, contenho-me no consumo. Mas a paixão existe, ai se existe... 2. Compro todas as edições da “Super Interessante” Verdade. Compro-as todas (pelo menos de há dois anos para cá) sem falhar um número. Fascina-me a forma despreocupada, límpida e inteligente que pautam os artigos da revista. 3. Já apareci no programa da Fátima Lopes vestido de anjinho Verdade. A minha mãe foi ao programa SIC 10 Horas demonstrar ao país o seu ofício (vestir anjinhos) e eu, filho devoto e cumpridor, pousei como Jesus Cristo (com cabeleira e tudo). Vergonha. Foi o que me restou do acontecimento. :) 4. Leio a Bíblia constantemente e o meu Evangelho favorito é o de Mateus ...

Aceitação do Prémio Lusitania História – História de Portugal Academia Portuguesa da História

Senhora Presidente da Academia Portuguesa da História, Professora Doutora Manuela Mendonça,  Senhores Membros do Conselho Académico, Senhoras e Senhores Académicos,  Senhor Dr. António Carlos Carvalho, representante da Lusitania Seguros, S.A., Ilustres Doadores,  Senhoras e Senhores,  Vestidos de Caridade, Vestidos de Fé, Vestidos de Serviço, Vestidos de Pátria.  São vários os nomes que podem ter os vestidos que, ao longo da História, foram oferecidos de ricos para os pobres, dos homens e mulheres para os deuses, dos senhores para os seus criados e criadas, de um país ou reino para o seu povo, do ser que não se é para o que se quer ser. Em todos eles há pedido, necessidade, dádiva, hierarquia e crepúsculo. A minha avó Júlia, costureira de ofício e filha de um armador de caixões, fez durante décadas roupas de “anjinho” que alugava nas festas e romarias do Minho. Miguel Torga, num de “Os Contos da Montanha”, referiu que nem o Coelho nem outro qualquer da aldeia o ...

Carta IV

Avó, como estás? Noutro dia, como sempre, fui ver-te ao local onde está a tua fotografia e umas frases iguais a tantas outras. Eram vermelhas, as tuas flores. Estava tudo bonito e arrumado. A tua nova casa, como sempre, estava tão fria. O dia está sempre frio quando te vou visitar lá, já reparaste? Espero que no céu seja tudo mais ameno e menos chuvoso. Tu merecias viver mais tempo, porque eras calma, serena e um porto seguro. Queria voltar a ser menino e ter-te novamente e dar-te tudo o que merecias de mim. Era muito pequeno para perceber como merecias mais carinho... Tenho saudades tuas, avó. Do teu colo. Do teu carinho. Da tua protecção e de quando ias comigo passear, à terça-feira. Fomos dois companheiros muito fortes, não fomos? Deixaste-me de responder... Não te oiço. Mas sinto-te. Sinto muito a tua falta, onde quer que estejas.  Tenho muitas saudades tuas. Muitas mesmo.  Até logo, nos sonhos, avó. É só lá que me consigo encontrar contigo e abraçar-te docemente. Luís...