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Mensagens

A mostrar mensagens de outubro, 2013

Batalhas

Não há dores maiores e dores menores ou dores mais difíceis de ultrapassar que outras: há dores, apenas. E a humildade imensa de existir é saber disso e respeitar a dor dos outros a partir dessa consciência. Há umas dores por morte de parentes, outras por mortes de amantes, outras mais por mortes de coisas, objectos, ou de animais. Há dores. E a dor dói porque com materializações enterramos sentimentos, imagens e, acima de tudo, expectativas. E acabar com elas - ao integrar na cabeça que não são mais possíveis - é dos processos de auto-destruição e de auto-conquista mais complexos que existem.  O luto é um termo difícil de se lidar, porque tendemos a negá-lo. Ou porque transformamos sopros em terramotos ou vemos esperança onde ela não existe. E o ser humano, essa resistente meta-potência física, faz tudo isto para resistir coerente. No fundo, sabemos, enquanto seres emocionais, que são os sentimentos a nossa fragilidade, mas também são a nossa resistência e razão fundamental. Há que

Miss II

A puta da doença que te consome por dentro, e queima quem tu amas, é uma merda. Destrói-te e corrói de quem tu gostas e isso é fodido. É macabro. Não devia haver nenhum direito divino que permitisse sofrer assim. O amargurar de ver quem amámos a fugir-nos por entre os dedos, e nós não podermos fazer nada por isso... É um ensinamento de impotência e um escarro na cara. De entre outros tantos que vêm depois. Sabes, essa doença é talvez das únicas que me isola e encosta à parede. E não consigo fazer outra coisa senão chorar. É como um luto, à partida. Por que, com ela, mesmo que não se morra, morres todos os dias: Tu, que sofres dela, e quem sofre dela, por ti. Há partes de ti que matas e outras que vês renascer - é a maior das sinestesias. Essa e aquela que sentes ao veres aparecerem forças que nem tu sabias que tinhas. E jugos quem nem sabias seres capaz de suportar. Tudo isto me faz lembrar o mar. É estranho. As lágrimas são salgadas, já reparaste? E há quem não faça outra coisa senão

Miss

Há pessoas que disfarçam dor com sorrisos. Não é um sorrir como uma gargalhada de alegria, nem de perto, nem de longe, nem de dentro. É um sorriso genuíno, de quem acha mesmo piada, mas ao mesmo tempo tímido, sofrido, preocupado e aflito. De quem se pode dar a sorrir, mas com um botão lá dentro que corta o circuito nervoso que activa o processo. Uma espécie de um bloqueio de dor. Anestesia do pensamento que, entre gargalhadas e vontades puras de rir, foge. E vem a tristeza, e inunda, como um barco que se afunda nas lágrimas mil em que, aposto, todas as noites, sozinha, te afogas. Especialmente quando ninguém olha.  Há momentos em que nos obrigamos a sorrir sem nos apetecer. Ou até apetece, mas dói. E há coisas que doem notoriamente quando ninguém vê. É no escuro que somos frágeis. - Quando o sorriso se apaga, és frágil. E isso amaciou-me enquanto me emocionava por dentro, e te olhava. Espero que não me tenhas visto, porque o objectivo era apenas ver-te sorrir. Luís Gonçalves Fer

Essências

Isso da essência das pessoas tem que se lhe diga. Não somos que nem compotas de estação. É difícil de nos diagnosticarem o biológico, o natural e distanciar do composto e sociológico. A essência é um pré-diagnóstico dessa doença necessária que é o normal. Acho que nem a própria pessoa se conhece ao ponto de dizer "esta é a minha essência". Antes fossemos frascos de perfume e tivéssemos uma científica composição.  Mas, vamos ver, isso da essência tem a sua piada. Fazemo-nos coisas e simplificamo-nos. O que eu gosto nisso da essência é descobrir que a essência não existe. Aliás, hoje pode existir e amanhã já não, porque não nos iremos identificar. Nós mudamos, os contextos mudam, e a essência também. E tem graça esta auto-submissão a conceitos que diariamente concordamos. Felizmente na arte não há contratos sociais, ou se calhar até há.  Mesmo assim, continuo a gostar de sotaques. É o perfume mais natural das pessoas. Luís Gonçalves Ferreira

amo(r)te

Pensa que amor são duas linhas e há momentos em que te aproximas e há momentos em que te cruzas e há momentos em que te afastas. E tu não sabes que afastarias quando te afastaste, nem que te aproximarias quando te aproximaste e nem sabes que e quantas linhas estão ao lado da tua. Tens palpites. É a vida e o amor é uma fatalidade como outra qualquer. E antes de morrer viveu e isso é bonito. A vida, enquanto há, é bonita. Mesmo que saibas que vai morrer. E tudo morre, por que o que está vivo morre. Apodrece. É simples. Como a maçã da árvore para o chão e do chão para a fruteira. Matas por teres provado ou matas por deixares morrer, somente. Renegada. A morte é bonita, afinal. Luís Gonçalves Ferreira

Difusão

Todos procuramos nos outros aquilo que nos faz falta. Carinho, atenção, a beleza que achamos não ter, a compensação física daquilo que nunca fomos capazes de coleccionar. Os outros são, na socialização, a nossa raiz primeira: com eles aprendemos, por eles crescemos, com eles nos fazemos. Todos os dias nos desenvolvemos, por entre traços comuns. Apaixonamo-nos por pessoas parecidas com os nossos pais, idênticas aquele amor que nos despedaçou, ou que recordam o cheiro que nos prendeu. Todos procuramos afinidades, portos seguros. E julgamos os inversos, não vendo qualidades opostas ao que procuramos, porque ninguém busca aquilo que já tem. É por isso que mais das vezes desprezamos os iguais a nós, ou nos afastamos de bocas que dizem a verdade. É difuso viver entre estas duas realidades: o que achamos ser nós e aquilo que os outros vêem de nós. Ao tentarmos esconder expomo-nos, e nem notamos. A voz que dá é aquela que pede. Ao rezar estaremos à espera que alguém faça alguma coisa para

Ofícios

Dez blocos de dez cores diferentes. Um banco. Um tempo infinito, mãos de artista, uma religião inspirada, e um ideário político. Observação, análise, tempo. Quietude. No autismo dos blocos de cores, entre todas as construções que se podem fazer, passavam horas, por tempo infinito, em que as peças rodavam, os dedos mexiam, a cabeça pensava, e destruía e reconstruía. O coração sedentário, angustiado, buscando direcções. Respostas. Caminhos. Os outros, mesmo que mudos, davam respostas, faziam perguntas, eram morte e vida. E o cérebro criava diálogos, filosofias, contava favas e ervilhas, e construía castelos. Os dedos, os mesmos da construção, logo se empunhavam e cerravam um golpe: destruir. Era o comando da criação. Nunca um Homem se sentiu tão Deus num cenário teatral tão simples. Balizas, limites, uma mesa. Quatro linhas rectangulares artificialmente postas e desenhadas. Um mestre exterior ao mundo, a desenhar tudo. A saber sobre tudo. A crer sobre Deus ao querer ser Deus. Uma