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Batalhas

Não há dores maiores e dores menores ou dores mais difíceis de ultrapassar que outras: há dores, apenas. E a humildade imensa de existir é saber disso e respeitar a dor dos outros a partir dessa consciência. Há umas dores por morte de parentes, outras por mortes de amantes, outras mais por mortes de coisas, objectos, ou de animais. Há dores. E a dor dói porque com materializações enterramos sentimentos, imagens e, acima de tudo, expectativas. E acabar com elas - ao integrar na cabeça que não são mais possíveis - é dos processos de auto-destruição e de auto-conquista mais complexos que existem. 
O luto é um termo difícil de se lidar, porque tendemos a negá-lo. Ou porque transformamos sopros em terramotos ou vemos esperança onde ela não existe. E o ser humano, essa resistente meta-potência física, faz tudo isto para resistir coerente. No fundo, sabemos, enquanto seres emocionais, que são os sentimentos a nossa fragilidade, mas também são a nossa resistência e razão fundamental. Há quem viva uma vida a desviá-los de pessoas para coisas mais certas, lógicas, com menor probabilidade de soma de uma outra desilusão. Mas é um engano: por pessoas ou objectos ou ideais que seja, a forma que temos de sentir é puramente inspirada em nós. Os nossos templos têm a nossa medida, e o tamanho dos nossos sonhos. Porém, não há nada mais interessante do que sentir: somos o nosso apogeu no momento em que nos revelamos através dos obstáculos e desenvolvimentos das nossas relações. 
Há uma meta naquele amor que nos enlouquece, na paz que nos aquece ou numa ideologia que nos define. Amar é agarrar e proteger e possuir com unhas e dentes: um escudo de um batalha com a nossa identidade. Há dias, porém, em que é preciso saber perder e aprender, a seguir, a fazê-lo mais integro do que de todas as outras vezes. Não é que doa menos, porque não dói. E dizer que o tempo cura tudo não passa de uma tanga de segunda. 

Luís Gonçalves Ferreira 

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