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Batalhas

Não há dores maiores e dores menores ou dores mais difíceis de ultrapassar que outras: há dores, apenas. E a humildade imensa de existir é saber disso e respeitar a dor dos outros a partir dessa consciência. Há umas dores por morte de parentes, outras por mortes de amantes, outras mais por mortes de coisas, objectos, ou de animais. Há dores. E a dor dói porque com materializações enterramos sentimentos, imagens e, acima de tudo, expectativas. E acabar com elas - ao integrar na cabeça que não são mais possíveis - é dos processos de auto-destruição e de auto-conquista mais complexos que existem. 
O luto é um termo difícil de se lidar, porque tendemos a negá-lo. Ou porque transformamos sopros em terramotos ou vemos esperança onde ela não existe. E o ser humano, essa resistente meta-potência física, faz tudo isto para resistir coerente. No fundo, sabemos, enquanto seres emocionais, que são os sentimentos a nossa fragilidade, mas também são a nossa resistência e razão fundamental. Há quem viva uma vida a desviá-los de pessoas para coisas mais certas, lógicas, com menor probabilidade de soma de uma outra desilusão. Mas é um engano: por pessoas ou objectos ou ideais que seja, a forma que temos de sentir é puramente inspirada em nós. Os nossos templos têm a nossa medida, e o tamanho dos nossos sonhos. Porém, não há nada mais interessante do que sentir: somos o nosso apogeu no momento em que nos revelamos através dos obstáculos e desenvolvimentos das nossas relações. 
Há uma meta naquele amor que nos enlouquece, na paz que nos aquece ou numa ideologia que nos define. Amar é agarrar e proteger e possuir com unhas e dentes: um escudo de um batalha com a nossa identidade. Há dias, porém, em que é preciso saber perder e aprender, a seguir, a fazê-lo mais integro do que de todas as outras vezes. Não é que doa menos, porque não dói. E dizer que o tempo cura tudo não passa de uma tanga de segunda. 

Luís Gonçalves Ferreira 

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Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...