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Sábado à noite

É sábado à noite, como muitos outros. A chave roda a fechadura e a porta abre. Um armário à frente, com livros e garrafas por trás. Uma janela ao fundo. Ao lado direito, uma tela. Verdes com grenás tímidos, e um amarelo tosco fundido no fundo. Um televisor mudo e um móvel raso. Há um tapete no chão. E um silêncio toma as rédeas do campo, e do escuro singular que faz nesta mor esquina de uma cidade qualquer. Uma solidão talhada a canivete, devagar para não doer. Um atalho para a minha própria mente: uma explosão entre a surdina do televisor, os livros por terminar e um longe da família que escolhi. Há mil cores na tela, e um espírito penumbrante que me dá cabo da espinha e adormece os pés: é a idade e o desrespeito pelo corpo que gritam tão alto quanto as cordas aguentam. Nem o piano é tão branco e nem a música me comove da mesma forma. E há rotina inteira para recalcular. E um vazio de perguntas por responder. O silêncio sempre foi uma cena fodida. Por meses esqueci-me disso. Acomodei-me ao reajuste, sempre com trejeitos de companheiro-campeão que se quer melhorar. Que me perdoem os deuses.

Luís Gonçalves Ferreira

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Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...

Árvore de Natal 2009

Pausei os estudos e avancei, com a minha irmã mais velha, para a feitura de mais uma árvore de Natal (sem nós provavelmente ninguém teria prazer de a ver montada). Natal sem árvore não existe, mesmo que a ceia de 24 de Dezembro não seja aqui em casa (é rotativo, entre todas as famílias que jantam juntas na Consoada). Sinto-me, finalmente, dentro do espírito natalício. Eu não me deixo levar pelos efeitos de Novembro, nos Centros Comerciais. A ser cumprida a tradição só faríamos a dita cuja Sôdona Árvore a dia 8 de Dezembro, festividade da Nossa Senhora da Conceição. Como não se sabe o tempo do amanhã e do depois, fica pronta e iluminada. Falta-lhe os presentes ao lado do menino Jesus, pois só são colocados em hora mais próxima do Natal. Aqui não há Pais-Natal nem renas. Existe Jesus, Maria, José e os três Reis Magos. Espero que a noite da consoada seja tão bonita como a do ano passado . Já fizeram a vossa árvore? Luís Gonçalves Ferreira