O filme Plataforma, em exibição na Netflix, é particularmente pertinente nesta fase em que as casas de cada um, e as condições da sua quarentena, espelham de forma paradigmática as desigualdades e assimetrias sociais: ter ou não ter casa; poder ou não estar em casa; ter ou não ter emprego estável; ter ou não ter internet; ter ou não ter televisão; ter ou não ter jardim - é o que nos distingue e paradoxalmente unifica. Isto parece ser sempre sobre acumulação e desperdício. Parecemos ratinhos a girar na roda da privatização e da civilidade - etiqueta respiratória em casas abertas ao alheio. Sempre em poder pela distinção.
Violento em muitos momentos, porque também o nosso quotidiano e as nossas casas escondem violência, o filme é uma metáfora para a forma pornográfica e irresponsável como os países ricos usam e abusam dos recursos do planeta terra, levando-o à exaustão e à circulação dos “restos” para os países pobres: dos serviços à indústria. No filme, a partir do 50.° andar não há comida. Na terra, a meio do ano começamos a consumir os recursos do ano seguinte e a hipotecar as gerações futuras, que serão os pobres de amanhã. É impressionante que enquanto alguns países insistem em culpar outros pela situação de crise em que vivemos, a Plataforma relata o valor da esperança e da utopia num mundo em que os de baixo nunca são ouvidos pelos de cima e os de cima querem estar ainda mais a cima. O valor da palavra e da fé resiste sempre - nunca deixaremos de gritar.
Luís Gonçalves Ferreira
Comentários
Enviar um comentário
Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!