Avançar para o conteúdo principal

A tranfiguração do comum

Por momentos apetecia-me ser outra pessoa. Não, não era uma só pessoa. Queria subdividir-me em inúmeros espíritos, incontáveis corpos e infindáveis experiências. Acho que não sofreria metade do que sofro, pois conheceria múltiplas coisas, e, por consequência, saberia lidar melhor com os sentimentos. Sou saudosista, sempre admiti. Conhecer de mais e os demais talvez abrandasse esse passado frenético, na minha cabeça. Muitos “eus” abarcariam mais espaço para tornar infindáveis os bons momentos. Seria uma espécie de transfiguração bíblica, mas sem Tabor. O local seria o meu interior e o tempo não seria nada. Não haveria Elias, nem Moisés, mas existiriam aqueles que não crêem e passam a acreditar, ou os que, crendo, aumenta bravamente a sua crença pela força da experiência. Não haveria Messias, mas uma vida completamente arrebatada por olhares novos, esbranquiçados por esse frenesim boreal que é a novidade.
Na contemporaneidade científica, social, do senso comum, presumiriam, por esta descrição, que tenho uma doença mental. Na pele do poeta chamam-lhe de heteronímia. Não sei se Jesus era doente mental ou se praticava heteronímia. Sei que era especial, inovador e criativo (ou a História assim o “transfigurou”).
A via da multiplicação seria o modo de me tornar útil a mim mesmo e aos outros. Daí que, a certa altura, me eleve a pensar nestas coisas.

Sem mais,
Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

Enviar um comentário

Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!

Mensagens populares deste blogue

Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...