Avançar para o conteúdo principal

É Morna

Levámos a língua e algumas características portuguesas pelas terras que dominámos, lá noutros tempos e noutras bandas. Entregámo-nos de bandeja e com dedicação. Somos, ainda hoje, um povo que se dá e movimenta de uma forma incrível. Adaptámo-nos com um imensa facilidade, sem tempo para criação de bairros ou guetos exclusivamente portugueses. Mesclámo-nos com os demais. Por inerência, recepcionámos, muitíssimo bem, as novidades externas. Nenhum povo consegue ser como nós, neste ponto. Para o bem ou para o mal, somos assim. Esta é, indelevelmente, uma das características que mais aprecio em nós, enquanto povo. Portugal sempre criou gente do Mundo, antes mesmo de existir um conceito chamado Globalização.

Levámos a saudade e esquecemo-nos de trazer a energia alegre do sorrir, do andar e do caminhar de alguns dos países que nos receberam. Estive em Cabo Verde, em 2008, e sentia positividade com que se vive (fiz questão de sair do resort para perceber verdadeiramente o sentido do existir daquelas gentes). Talvez o sentimento não se carregue no corpo, nem no dialecto, mas sim na falta de frescura com se encara a mudança. Aqui somos sinceramente mais escuros e cinzentos. Vivemos no recalque de alguns sofrimentos longínquos, quase ancestrais.

(Ilha do Sal, Cabo Verde, Agosto de 2008)

Lembrei-me de falar nisto por culpa da morna cabo-verdiana. Ela é sodade e angústia em relação a uma terra que custa abandonar. É Cultura e música nacional, como o Fado é para Portugal ou o Samba para o Brasil. É, simultaneamente, de Cabo Verde e do Mundo. Estou a aprender a gostar e apreciar a melancolia da sonoridade. É bom. Faz bem à alma.

(Ilha do Sal, Cabo Verde, Agosto de 2008)

Sem mais,
Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

  1. Caro Luís, sempre que quiseres, partilho contigo muito mais nomes da chamada World music. Desta vez não foi o caso. :)
    Dispõe.
    Um abraço.

    ResponderEliminar
  2. Por acaso também gosto bastante desta música em particular.
    A música de raiz africana sempre me chamou a atenção, aliás, eu gostava de ver o programa "Na roça com os tachos" não só pelas receitas, mas sim pela banda sonora de cada programa :)
    E sim, nós portugueses, comparando com os cabo-verdianos, somo mais cinzentos do que eles, quando deveria ser ao contrário, devido às adversidade que têm em maioria.

    Beijinho com inveja..lol

    ResponderEliminar
  3. Que vanha o sal e a água que é tao azul como salgada, que venha o sol, dourado e abrasador, que venham as famílias e a refeiçao em todas as casas que podem não ter mais nada para oferecer, mas enquanto houver comida, não sairas de casa alguma sem comer o que quer que seja,que venha o povo, hospitaleiro, que venha o português pronunciado de forma tão doce. Que venha tudo isto, mas que CABO VERDE nunca deixe de ser o país tão genuino que é!

    ResponderEliminar
  4. Diz quem esteve em África que é outro mundo, outra alegria. E que não tem nada a ver com politicas ou ideologias. Penso ter a ver com a maneira como vivem: a solidariedade, o pé descalço gostosamente na terra, o desprendimento, a imensidão da terra, a quase ausência de orgulhos no meio da população porque todos concorrem para tudo como uma comunidade una.

    Por outro lado, quando dizes que estás a aprender a gostar da sonoridade das mornas, eu sempre disse que as coisas trsites têm uma enorme beleza. Aliás, são os grandes dramas as mais belas obras literárias. Quando ouço Adagio de Albinoni, sinto a alma massajada, apesar de ser uma m´suica profundamente tocante e triste. Há beleza na tristeza.

    Fizeste bem em sair do resort. SE nao conheceres o conto de Oscar Wilde "O Principe Feliz" diz-me que te tento arranjar o link, ja que nao é necessa´rio comprar o livro para tao pequeno conto que vem sempre junto com outros. Diferenças à parte é uma lição de amor... que me comove sempre.

    Abraço

    ResponderEliminar
  5. Nunca fui a Cabo Verde, mas imagino que seja um sitio fantástico. Também gosto muito da musicalidade do pais, eles cantam e dançam mesmo por gosto! As pessoas têm uma energia que admiro muito.
    Adorei o post, sem duvida, e graças a ti conheço a morna.

    ResponderEliminar
  6. Fotos giras e a música é genial!!!

    Beijinhuu

    ResponderEliminar
  7. Sabes que mais? Se foi a Roberta que te encorajou a postar as fotografias, um bem-haja para ela.
    Adorei.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!

Mensagens populares deste blogue

Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...