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O tempo de noite, dentro de mim

E foi-se mais um dia, numa lógica cronológica ordinária, pendular e certa. Amanhã mais um dia chegará para morrer, logo a seguir. E sempre assim foi e continuará a ser. Os dias subtraem-se, contam-se e somam-se. (Ainda dizem que a matemática não é importante. Esquecem-se que a vida é uma equação)
Tudo na vida tem um fim. Tudo. Pelo menos o tudo que o corpo encerra.
E mais um dia passou. A seguir vem outro. E depois outro.
E depois um exame.
E depois a acalmia.
E depois o stress.
E depois novo exame.
A vida é uma onda. Um pendulo. Um relógio igual ao do tempo que faz passar os dias.
Silêncio.
Oiço o sussurrar dos deuses. Prometem-me que sou imortal nos corações dos que me amam.
Acredito.
Calo-me.
Respeito.
Sigo.
A vida não é senão Movimento.
O tempo não é senão Movimento.
É tudo Movimento. Tudo roda. As legendas do televisor passam. A personagem anda. Os meus dedos processam, maquinalmente, este texto. O aquecedor turbina e aquece-me a respiração e a pele e comodidade do corpo.
Vamos. Vamos.
É hora de dormir.
Amanhã o tempo volta, ao acordar, está ao acontecer e é ao deitar.
Para depois ser. Sempre ser o Ser que é.
Sempre.
Até ao dia do colapso eterno. Onde tempo acaba para uns, mas começa para mais que muitos. O dobro, o triplo ou quadruplo. (Matemática dos corpos) A culpa é da China. Nem com políticas controlam os nascimentos. Esquecem-se que Deus não se guia por decretos nem por Partidos. Esquecem-se que o Homem não controla tudo. Eu não controlei estas linhas. Como Pessoa não controlou Caeiro nem Campos nem Reis nem Soares. Como o acaso não controla o indefinido da sua própria falta de definição.
Estou em êxtase literário (o circunflexo e a complexidade escrita do êstase comprometeram-me o ritmo).
São duas e dezanove da manhã. Ou da madrugada. Ou do dia. Ou do tempo. Ou dos treze dias de Janeiro. Faltam alguns para Fevereiro. Mais que muitos para a Morte de Cristo. Mais dois para a Ressurreição. Será a Glória. Tudo em Branco. Puro. Paz. É a morfologia das Cores. As viúvas ainda Sexta estavam de negro, hoje estão todos de branco.
O cérebro avança. O tempo não acompanha. Nem as rugas aparecem. É a vantagem de ser sem sentir e de avançar ao som do comboio da vida.
Pouca-terra Pouca-terra, pupu.
Cheguei. É a estação do Céu na Terra. Não sei onde dormir nem onde ficar.
Estou louco, porque a televisão continua na verborreia de coisas vãs.
Dói. Escrever sem saber o por quê nem nada, dói. Imenso. Sinto-me a ensandecer. Tenho medo. Muito medo.
Espero que o amanhã seja melhor. A perfeição da Sociedade assusta-me.
Controlei-me para não continuar a escrever parvoíces.
Agora percebo como Pessoa escreveu a obra prima de Caeiro numa noite.
Ele não era louco. Eu sou louco. Todos somos loucos. Todos.
Exaustão.
Não vou reler o texto, pela primeira vez desde que me conheço. É a loucura. Acho que a loucura ficaria menos louca se eu rele-se. Não consigo. Não quero. Estou cansado de mais.
Silêncio.
Adeus. Adeus não. Parece que vamos morrer. Ou que eu vou morrer.
Até já.
Até amanhã, se Deus quiser.

Luís Gonçalves Ferreira
Roberta Paliativa

Comentários

  1. Ufa! Delirante é isso tudo! Eu adorei! É a vida acontecendo! Esse movimento fantástico e intenso. É um texto muito bem ritmado, apressou minha vontade de viver, que coisa gostosa de se ler!

    Parabéns!

    ResponderEliminar
  2. Luís, que loucura! Este turbilhão de idéias, a essa hora da noite, se não tivesse as colocado no papel teria, de verdade, enlouquecido! rs... "Viajei" nos teus delírios, meu caro, sorri com uns, me confundi com outros, e ainda teve os que me fizeram pensar na vida, no tempo que já passou e no tempo que ainda me resta.

    Abraços, meu caro! E continue dividindo conosco seus devaneios!

    ResponderEliminar
  3. Pois é... O nosso dia-a-dia pode ser assim... Um monte de sensações e acontecimentos... Uma verdadeira confusao... Mas é isso que dá uma certa piada à vida :)
    Beijinho grande*

    ResponderEliminar
  4. Ainda mais anaeróbico do que a minha aula de combat, há pouco.
    Delirante, fabuloso.
    BEIJO!

    ResponderEliminar
  5. Gostei imenso Luís, a maneira como "enrolas"isto tudo, estas ideias todas está fantástico :)

    ResponderEliminar
  6. Torna-se deslumbrante, até amanhã Luís.
    Beijoo (:

    ResponderEliminar
  7. O que dizer? Nem há palavras. Wue loucura mágiaca a tua!
    ( Tenho uma coisa para ti nas minhas ultimas palavras )
    Um beijo (:

    ResponderEliminar
  8. Espantoso mesmo este texto. Passei por aqui e gostei bastante. Voltarei.

    Abraço, Miguel Ribeiro

    ResponderEliminar

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