Avançar para o conteúdo principal

Rigor Mortis [Republicação]

O amor é morto.
A esperança é morta.
A fé é morta.
A caridade é morta.
A prudência é morta.
A gratidão é morta.
A fortaleza é morta.
A paixão é morta.
A temperança é morta.
A alma é morta.
A vida é morta.

Calou-se a vida,
Porque lhe sepultaram o corpo.
Apagou-se a chama,
Porque a terra lhe cortou o ar.
Estupidificou-se a existência,
Porque se lhe cortaram as vísceras.

Perpetuamente,
Ser sem jamais poder ser.
Definitivamente,
Um mero ensaio sem pausa, nem refrão.
Paulatinamente,
Corpo que se espelha em imagens com apagão.

Sem alma,
A vida é morta.

Toquem os sinos a defunto,
Quando a vida se transformar em nada,
Em simples corpo sem alma,
Sem Existência nem Vivência
Nem a Consciência
Que nem viver se sabe viver.

A vida é morta
Quando tudo apodrece,
De dentro para fora e
De fora para dentro, e,
Depois, enterra-se, morta.

Não há forças para Renascer.

A vida é morta quando
A existência e a felicidade
E a caracterização e o sorriso
E o humor e a tristeza
Estiverem amarrados a um cubículo qualquer.

A vida é morta.
Primeiro em pé.
A seguir no chão. Depois,
Em Rigor Mortis.

Toquem os sinos a defunto!
Há milhões de vidas mortas!

Luís Gonçalves Ferreira
1-Set.-2009 


Republico por que me apetece. Republico por que acho que este é o meu melhor poema até hoje. Republico porque tenho público novo desde Setembro que pode, perfeitamente, nunca o ter lido. E republico por que tenho saudades de voltar a escrever poesia e da inspiração e disposição que tinha para tal. 
Hão-de dizer: Isto não rima. E eu direi, como quem não quer a crítica, que: não rima mas é verdade. Eu também não rimo e às vezes desafino. E mais nada.


Sem mais,
Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

  1. Está excepcional.
    Fazes das palavras, magia!

    Um beijo!

    ResponderEliminar
  2. "Calou-se a vida,
    Porque lhe sepultaram o corpo.
    Apagou-se a chama,
    Porque a terra lhe cortou o ar."

    E, no fim disto tudo,

    "Toquem os sinos a defunto!"

    porque

    "Há milhões de vidas mortas!"

    Só assim já ficava sublime.

    Abração

    ResponderEliminar
  3. És poeta!!!
    Fortes tuas palavras!
    Mas me diz, não estava nos teus melhores dias quando escreveste este poema, ou estava?
    Desculpe se estou sendo indelicada ao te perguntar isso.

    Mas quando escrevo, sinto o pulsar das palavras querendo mostrar através da escrita, o que está dentro de mim.
    Não sei se isso acontece com você, penso que sim.
    Beijo, Luís!

    ResponderEliminar
  4. Luís, sabe o que gosto de fazer? Tentar imaginar o que se passava com aquele que escreveu naquele exato momento. E fico eu, aqui a pensar, o que se passava com você. É, sem dúvida, uma excelente reflexão, intensa, eu diria até, revolta, sobre vida e morte. Nem precisamos sentir o coração parar para morrer, não é verdade?

    Fantástico!

    Abraços, meu caro.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!

Mensagens populares deste blogue

Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...