Avançar para o conteúdo principal

A ginástica do coração

O poeta não tem que sentir para escrever sobre. O poeta, como mestrou Pessoa, é um fingidor que finge completamente a dor que deveras sente. E isso é a mais profunda constatação. Um poeta, caros leitores, não tem que ter tudo à flor da pele para abordar as coisas.  Isso é coisa dos fracos que, como os bebés, precisam das coisas ao pé para saberem que existem. Um poeta, apesar de poder não estar a viver ali, naquele momento, tem que conhecer, mesmo noutros contextos ou contado por outras pessoas. A dor, que é o grande auxílio de quem escreve, é-nos trazida não só pelas nossas mãos, mas simultaneamente pelos olhos e apertos de peito que os outros nos transmitem, quotidianamente. A dor - a humana e poética inspiração - comove. 
A dor é marketing. Difícil é fazer rir um coitado que paira nas ruas da amargura e fazer despertar a mais básica situação de se ser feliz. Nos dias de hoje, ser feliz é regra e a excepção é a tristeza. Excepção que, por pobreza de espírito, se transforma em sub-regra, dependente da regra para se conhecer. Daí que pense, diversas vezes, se, afinal, o homem não é, no final das contas, um ser masoquista. Todos, em alguma ocasião da vida, já perseguimos, incansavelmente, aquilo que nos magoa e faz mal. Por estupidez que nos possa parecer, alguns deixam até escapar o que lhes faz bem por precária visão da vida. E esse é o meu caso, infelizmente. Estou a matar pessoas, ressuscitar fantasmas e acreditar em espíritos malignos. E isto tudo leva-me à infelicidade, ao fingimento artístico e ao status quo anterior que, por tantas vezes, mostro saudade. Agora descubro, num momento propício, que não me mato por dentro pelo que era, mas pelo "como estava". Tenho saudades do conforto, mas amo o que sou hoje, depois de tudo. Sou, aos tantos meses de um Verão quente, uma pessoa melhor... E isso, por incrível que pareça, acalma-me o espírito e a vontade de vir a ser criança novamente. Sentir é bom, porque faz ginástica ao músculo que é o coração. 

Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

  1. A DO REI LOL

    tu surpreendes m sempre pela positiva!
    Es o meu genio!!!

    Beijinhooooo
    Maria das Dores
    nao de sempre, mas para sempre

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!

Mensagens populares deste blogue

Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...