Quando me deparo com a fé verdadeira de alguém sinto-me tocado por dentro. É um brilho nos olhos incrível este que se me apresenta algumas vezes. É uma crença. E uma luz. Não é irracionalidade, caro leitor, é necessidade. Quando se perde o chão, por completo, o ser humano agarra-se ao que desconhece e seria capaz de imensos passos no escuro para atingir a pouca luz que lhe sobra, lá no fundo, onde a vida termina e a morte assusta.
No Sábado, fui tocado pela Fé. Fui capaz de fazer alguém feliz e proporcionei, provavelmente, um dos últimos desejos de um corpo quase morto de doente. Era uma senhora. Nova, por sinal. Tinha dois filhos, pequenos: uma menina e um rapaz. Estava "queimada por dentro" como me contara, com brilho nos olhos de quem estava doente, mas estava com os filhos, em sorriso, raramente. Tinha um cancro, mas não me confessou onde. Disse-me só, emocionada, olhando-me os olhos - lendo-me por dentro - que eu mesmo a tinha emocionado com a minha atitude. Senti-me pequeno. Minúsculo. E percebi que... a morte é muito brava. Tirará, com grande probabilidade, a mãe aqueles filhos, a filha à sua mãe e a esposa ao seu marido. A morte aproveitou-se dela em outros tempos, mas ali não. Vi-a feliz. Invadiu-me e desmontou-me por dentro. Emocionou-me, horas depois, na viagem. Disse-me umasfrases cujas palavras não me recordo ao certo, mas sugeriu que eu lhe tinha dado a última oportunidade de ver a última tarefa cumprida. Eu senti que a senhora iria morrer, dentro de pouco tempo. Não sei se meses. Não sei se dias. Não sei se anos. E nunca irei saber. Cumpri um apelo do coração. Fiz o que pude, ali, naquele momento. Por certo fiz o dia mais bonito a alguém. E tenho pena de não me ter oferecido para tirar aquele que, com grande probabilidade, seria o último retrato de uma família feliz.
Isto mexeu comigo. E ainda agora, no silêncio da noite, vejo o rosto da senhora a olhar para mim, por dentro. Tenho pena de não saber mais nada dela. Só a espero que a morte descanse e a deixe ver os filhos crescerem mais um pouco.
Luís Gonçalves Ferreira
Tocante. Consegues, uma vez mais, escrever bem, mesmo no que que te toca... e aos outros tambem. Cheia parecia estar a senhora. De Vida. Interior também. A que necessitamos quando a dimensão está prestes a ser outra...
ResponderEliminarSó para dizer que adorei o novo aspecto deste teu espaço...já não passava cá há algum tempo.
ResponderEliminarCom mais calma, hei-de ler os textos que, aparentemente, estão óptimos como sempre. Continua
Abraço*