Avançar para o conteúdo principal

Apetecia-me dormir, de repente, e acordar renascido

Não me lembro de ter os braços, as pernas e todo o corpo mais pequeno que alguns bons palmos. Não me recordo de gatinhar. Nem tão-pouco de andar num voador e sonhar livremente como quem voa, de facto, sem amarras. Não me recordo de nada disso, mas ouvi dizer. Escutei que é assim que se é em bebé: livre. Mais livre e sereno que isto. Que um mundo cruel, de dentes afiados, pronto a triturar sonhos e esperanças e liberdades alheias. São jugos e profundas e pesadas pedras que nos plantam nos pés. Demora a crescer, porque são como sementes. Iguais às que nos plantaram na colheita original, bíblica, lá longe. A malícia do homem é nossa, de dentro, da raiz originária. Regou-se depois, a canecos largos, de uma ignorância profunda do exemplo vivo de Deus. Blasfémia. Na Igreja blasfema-se, dia-a-dia, todos os dias, quando se diz que somos imagem d'Ele. Ninguém é perfeito com uma imperfeição no painel criativo. São pés de prata, mas corpos de cobre podre e feio. São pés de barro e corpo de carne podre e feia. São tempos. São gigantes de pele. São pequenez de alma e cacos por dentro. Esta reflexão de nada vale: é fruto de um ser igualmente imperfeito. Provavelmente, a perfeição não existe. Nem Deus o é. Nem a criação o foi. O canivete divino falhou. Falhou ao criar esta criatura, riscada, que se perdeu e persegue o que lhe faz mal.

Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

  1. Quando tudo se desmorona, pensamos ser o fim, mas nao é. É apenas uma etapa. Dêmos à etapa o que ela tem de etapa, e nao de fim. Pode ser o fim de algo ou alguém mas é sempre o enriquecimento para outro algo ou alguém, com novas ferramentas e aprendizagem. Mudar no que depende de nos. Aceitar o que nao depende de nos. E continuar. Trinfante no caminho... Como tu és e mereces.

    Abraço

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!

Mensagens populares deste blogue

Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...