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Respirar*

Aos olhares estranhos, sigo a vida conforme o roteiro: sou quase normal por fora, para ninguém desconfiar. Mas por dentro eu deliro e questiono. Não quero uma vida pequena, um amor pequeno, uma alegria que caiba dentro da bolsa. Eu quero mais que isso. Quero o que não vejo. Quero o que não entendo. Quero muito e este muito quero sem fim. Quero continuar a aprender a dançar à chuva e a não ficar à espera que a tempestade se vá. Amor sem dor não sabe a romance, mas pouso a paixão que me rói e aí vejo algo novo nascer, sem prazo e idade de acabar. Escondo-o a custo, pois guardo-o só para os especiais – transborda-me os sentidos. Escorro sangue em lágrimas, transpiro vida, fervor e euforia.
Inspiro, expiro. Inspiro, expiro.
Sonho, adormeço. Sonho, e já não sei se estarei a sonhar acordada de novo.
Não cresci para viver mais ou menos, nasci com dois maravilhosos pares de asas e vou onde eu me levar. Por isso, não me venham com superficialidades, pois nada raso me satisfaz. Desconfias tu e bem que vejo por dentro das coisas. Já eu só quero é mergulhar de corpo febril na água gelada de um rio selvagem. Entrar de roupa e tudo no infinito que é a vida. E rezar – se ainda acreditar – para sair ainda bem melhor do outro lado de lá. Não há leis para me prender, aconteça o que acontecer.
Foi mais um dos muitos ares que se me dão.
 
*Texto de
Nádia Alberto 
Publicado originalmente no Piquenique das Letras.

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