Avançar para o conteúdo principal

Incompleto

Quinze minutos de fama: é tudo isto que todos esperam. Cortinas descidas, luzes apagadas e um caminhada ‘ad aeternum’ pela frente. Entre paralelos, curvas e socalcos, nenhum de nós, vulgo seres humanos, sabe onde moram as janelas de solenidade. Alguns escravizam-se uma vida inteira na senda dos que as tiveram abertas e assim as fizeram permanecer. Na sombra, são apenas rasgos do suor de alguém e, mesmo vendo o seu nome em contra-capa, são felizes. Outros, mais ousados e inconscientes, tentam sair da sombra e procurar a luz, por fonte autónoma. E não conseguem. São casos exceptos do insucesso e fracasso para a posteridade. Intelectos fortes, audazes, mas preenchidos de falta de oportunidade ou, com recurso de estilo para magoar menos, apenas fracamente agraciados pela pena da sorte. Existem ainda uns terceiros (numerados tipicamente por mim), mais ariscos, contudo menos contentados, que, ao se desviarem da sombra (ou da luz, dependem agora as perspectivas), se preenchem de luz própria, indo-se aconchegando à luz magna, sem se queimarem a si mesmos. 

Falta-me um encaixe certeiro para a minha personalidade. Morada de sonhos audazes, mesmo gigantes, mas caminhando numa inércia doente, acatada na expectativa de esperar um resgate colossal de alguém com olhos especiais. Ver e ser visto, mas sem arriscar queimar. Não cair na inglória. Não desviar a luz. Sonhar com a “luz magna”. E achar que quinze minutos são muito pouco para quem fez do muito o seu mínimo. 

Mente irresponsável. Sonhador incontrolado. Abraço inconsequente. E tudo. Uma imensidão de epítetos que vejo de mim para mim, numa diletante diálise dos defeitos, das faltas de congruência, dos pontos a melhorar, e uma necessidade sádica do elogio alheio. “Os olhos dos outros são montras maiores e bocas melhores”, penso eu. Erradamente. 

“Incompleto”. Decidi chamar assim ao aumentado prisma de luzes que são estas linhas. Incompleto: é assim que me sinto. A cada novo sorriso prevejo sonhos, histórias e uma projecção doente de ser melhor, mais influente e maior em tudo nas “estórias” das vidas dos outros. O amor-próprio ficou pelo caminho, lá longe no corpo que ainda amava o que sentia, quem tinha e para onde ia. Hoje sou uma lua, sem luz própria, de dependência giratória e pendular em relação ao alheio, ao gigante, ao que me torna sem retorno. Incompletos. Será sempre assim que ficarão os meus textos, os meus desejos, os meus sonhos e todas as pessoas que conheci e ainda vou conhecer. Incompleto. Numa linha. 

Contudo, sempre bom enquanto dura. É disso sinal de vida, de estado, de evolução. Só de si, o Desejo e o Movimento preenchem armas e enchem túneis. Só de si, são seres com vida. E ter vida é provavelmente a melhor coisa do mundo.

Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...