É mais difícil quando a noite chega e o silêncio toma conta do espaço.
Lembro-me dos cheiros, da textura da tua pele, e do passado que passamos juntos, sem a uma lareira termos tido direito. Lembro-me de sonhar para que as minhas premonições não batessem certo e para que o fado dos olhares alheios não tivessem razão. Batalhei imensas vezes para o ter que não tinha e perdi-me na salvaguarda do que ia tendo. Desvalorizei, e perdi. Dos sorriso que se foram, das noites que jamais tivemos... Do teu cheiro. Do teu imperfeito sorriso cheio de significado.
Há dias em que penso especialmente em tudo. Em que questiono tudo. Em que me leio, revejo e reajusto os projectos para mim próprio. Analiso as poesias dos outros sobre dramas idênticos... Procuro uma solução para este vazio que me preenche a alma, mal o sol se põe e chego do trabalho. A única missão é fazer o jantar, pensar em ti, arranjar formas para o deixar de fazer, e dormir rapidamente para não voltar a consumir a lembrança com as tuas recordações. Esta distância dá-me aquela sensação que nos morremos aos pouquinhos. Passamos menos tempo juntos e perdemos a capacidade de nos rirmos das desgraças.
Há um desalento. Há um incrível relento. Confesso, sinceramente, que saio todos os dias deste buraco em que me afundei. Rodeio-me dos amigos - daqueles que não se afastaram desta bomba relógio em que me transformei. Há dias em que me sinto especialmente desorientado, sem rumo. E vejo o tempo passar, por entre as pressões alheias, os sonhos dos outros. Não tenho projecto para o futuro e não sei o que fazer. Resta-me o sorriso da minha mãe, a esperança do meu pai, a paixão admirável das minhas irmãs que deposita em mim todas as crenças de um amor umbilical. Restam-me os anjinhos e o prazer que me dão. Resta-me uma casa própria, um salário. Há em mim a solidão dos olhos que vêm um avô a morrer. Sei que chorarei e me arrependerei de todas as desditas que lhe exclamei - não consigo ser doutra forma.
Faltam-me três amores: o da minha avó (tenho saudades do teu sorriso); o amor-próprio que sempre me protegeu; e o teu amor. Há amor e tenho amor. De todos os lados. Um infindável amor para dar. Só não percebo como isto não se esgota. É uma fonte de primavera que não cansa de jorrar. E falta-me, porque nós somos aquilo que nos faz falta.
Luís Gonçalves Ferreira
Muito bem escrito. Adorei e saboreei palavra por palavra :)*
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