Jesus gritava "ajuda". Pedro, João e Tiago continuavam em oração, tomados pelo sono, pelo cansaço. Não sentiam a presença do diabo, da tentação, nem sabiam que Ele suava sangue, ao invés de água. Não sabiam da história do cálice, nem a parábola da cruz no calvário, nem sequer conheciam que dali sairia o fundador da Igreja, aquele que dirá, com medo: "Não, eu não O conheço", para o galo cantar a seguir. Que a partir dali se iria erguer o maior embuste da história por entre os séculos. Que hoje estaríamos corruptos pela deturpação daquilo que Ele dizia, fazia ou queria. Deus errou ao tornar-se humano, mas precisava dessa provação para saber das suas limitações.
Jesus, pensou, mais das vezes: "De que me serve ser filho de Deus se disto não posso fugir?". Como nós o questionamos diante os problemas. A Sua mente dava razão ao demónio. O servo do Mal sabia-o, por isso o acompanhou até à morte; não fosse essa a sua última chance de demover o Messias daquela loucura; não fosse aquela a derradeira salvação da vitória do mal sobre o bem. E se Jesus tivesse cedido e desistido? Jesus deve ter questionado vezes sem conta o seu lugar, a sua vida, o seu nascimento, o seu destino. Deverá ter questionado se era filho de Deus ou de uma traição de Maria à castidade anterior ao casamento. Poderá ter desejado ser sujo pelo pecado capital, como Santo Agostinho viria a filosofar, quatro ou cinco séculos mais tarde. Poderá Ele ter querido fornicar com Madalena ou com João. Poderá ter pensado no suicídio.
Jesus não devia querer sofrer, mas a certa altura a missão foi mais poderosa do que as dores do seu corpo. É como se não pudesse dizer "não" às profecias milenares de Isaías, de David, de Moisés e do séquito de ascendentes que lhe davam coroa, mesmo ele tendo nascido numa manjedoura, em Belém. (Dizer que não é o maior dos desafios de existir) É o peso do nascimento, das raízes. Jesus, sendo ele meio de religião, era em si religião, era em si filosofia, era em si pecado, era em si virtude, era em si bem e mal. E, como a política ou os clubes de futebol, Jesus não podia fugir do seu destino. Tivesse a história querido que o povo tivesse preterido Barrabás. Tivesse a história negado Pilatos, os Sumos Pontífices, o milagre da Samaritana, as Bodas de Caná. Tivesse a história negado Deus e Jesus. Tivesse Nietzsche razão e Deus tivesse morrido perante a sabedoria do Homem.
Seríamos nós mais livres?
Luís Gonçalves Ferreira
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