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Fotogenia

Esbarro numa fotografia tua; é como um choque frontal: não sei onde me colocar, questiono-me das datas, do que estaria eu a fazer naquele exacto momento. Como se tu e eu, por entre o espaço, tivéssemos (ainda) uma linha que liga. Hoje está desatada. 
Procuro e não encontro, nas nossas recordações. Ainda analiso os meus erros e não percebo a tua frieza. Queria que te aproximasses, mas não toleraria que da tua aproximação resultasse um arrependimento teu. (Não sei tirar-te medos) Esperaria assertividade, iniciativa... No fundo, queria amor, mesmo sabendo que ele não se pede. E por mais que me custe, mesmo que não o sinta, só posso e tenho que acreditar no que a tua boca me diz. Fosse este o meu primeiro amor e convencer-me-ia que iria arrepender-me de tudo isto, quando a clarividência voltasse aos meus olhos. Mas não: há uma convicção estrelar que me diz o contrário. E eu, militante convicto das coisas que não se vêem, continuo, incansado, ferido, convicto, à espera que alguém me resgate desta monotonia do viver só... O alento de ter uma casa segura para onde regressar, principalmente quando o medo toma conta de mim. E, por isto, revelo a minha dependência, a  carência e o pedaço de amor-próprio que acho jamais poder recuperar. E acredito nestas mentiras, ora feitas verdade, para conseguir não desabar completamente. É a segurança da infelicidade.
No final, na conta das saudades, falto-me. E recordo-me, nas linhas, por entre as palavras aguçadas, destemidas, que agora sou capaz de verbalizar. Tenho medo de não ter para onde voltar e de jamais me enrolar num corpo como um dia me misturei ao teu. Não há fotogenia como a da nossa intimidade. E isso é uma prova que procuro dissolver, todas as vezes. E somo desilusão à expectativa de um dia conseguir ter momentos de assunção e felicidade como aqueles que, na agonia do nosso paradoxo, consegui viver.
Estou escravo das nossas imagens. Luto, contamino, revolto-me. Só queria já não ter este fardo dentro de mim. 

Luís Gonçalves Ferreira

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