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Uma cena muito básica

Ia escrever aqui um imenso texto sobre hipocrisia, falsidade e falta de rectidão. Sobre pessoas que dizem mal das outras, no escondido, e depois lhes bajulam a cara. E que a seguir teatralizam-se e se mascaram e acreditam nas próprias mentiras. Não fosse essa uma metáfora deles próprios e dos outros e de todas as suas relações; numa verdade irrenunciável que socializar é como ter um íman que atrai iguais a nós, ou que, mesmo diferentes, nalguma altura serviram as nossas carências. E desta língua que os critica, é a consciência certa de que um dia convivemos no mesmo ninho, na audição das coisas que sobre si acusavam, nunca directamente a quem de direito. 
Continuaria a desfilar sobre todos esses itens básicos, já muito discutidos, amplamente criticados pelos que já fizeram o mesmo, tornando este estado uma espécie de memorial de um ressabiado. Mas não. Apenas e só, por que tudo isso me deprime profundamente. E o que me deprime eu não gosto de falar: não há forças que combatam aquilo que só o amor-próprio conseguirá destruir.
Disto tudo, sobram a certeza do erro, a analítica (absoluta) verdade que há seres vazios de bondade e compaixão, e de que socializar é uma cena muito fodida. E, às vezes, dói mais do que arrancar um dente.
Não há morfina nenhuma que anestesie isto.

Luís Gonçalves Ferreira

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