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Canto

Vim para confessar a minha pena, à distância. Neste grito quase mudo. Vim para sussurrar o meu pesar, o peso do teu partir. Vim chorar, ao pé das memórias e das fotos que em ti peco, repetindo-me. Fustigando-me. Auto-flagelando-me. Distanciado, entre promessas queridas a ferros, aumenta-me a saudade na proporção do lutar por não a sentir. Das suposições, dos pecados, do orgulho e do preconceito. Tenho medo. E acho que desta vez é de algo diferente. Sinto o teu cheiro, ao virar da esquina, falta do teu imperfeito e maroto sorriso que só em fotos vejo. Desse desajeitado sorriso que me cala, e clama, e grita, e chama, da fogueira que ainda não se apagou. Fazes-me falta. Imensa falta. Ou eu tão-só acho que sim, quando tenho medo. Estou neste canto. E tenho algum medo. Não tarda chove, o Verão acaba, o canto continua, intacto, desesperado, espero que já sozinho. Estou a despedir-me e a matar, como erva daninha, todo o fruto que se quer pousar e voar por aqui.

Luís Gonçalves Ferreira

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Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...