- “Tenho medo”, disse Ela.
- “O que temes?”, perguntou Ele.
- “A morte. Amo-te e não quero morrer. Nunca me senti tão viva.” Seguiu-se um abraço, numa poça de lágrimas. Estavam na casa que tinham optado por partilhar, há quatro anos atrás, depois de dois meses de namoro. Sabiam que tinham sido feitos um para o outro e pontes se haviam construído para jamais alguém conseguir destruir. Amavam-se profundamente e faziam-no sentir, um ao outro, todos os dias. Diziam coisas como aquela, e não era só uma poesia de momento de aflição.
Andreia havia perdido o cabelo, há dois meses atrás, fustigada pelo tratamento de quimioterapia que os médicos e uma máquina lhe faziam, para matar o filho da puta do mal que a comia por dentro. Pedro, o seu companheiro, chorava naquela caminhada, com a namorada, e havia-se prometido jamais a largar. Como havia jurado não chorar à sua frente.
De corpo desfeito, já sem um peito, os 35 anos de Andreia tinham deixado de existir ao se resumirem a uns meses de batalha contra a doença, que lhe metastizou o sorriso e afunilou a beleza num turbante. Continuava a ter uma profunda raiva de viver. Eles passavam os dias no hospital a dar significado aquela mitologia dos fios que ligam homens para a eternidade. Andreia dizia regularmente às amigas que, mesmo sem forças, era o amor que a salvava. Andreia sofria por Pedro sofrer e Pedro sofria pelo sofrimento de Andreia. E é esse o compromisso de uma doença assim: prova final de companhia de almas, de dores, de partilhas.
É curioso, Andreia tinha desistido de viver há uns anos, antes de conhecer Pedro. Depois de coleccionar desilusões de amor, e ter perdido as esperanças em ser feliz, tinha aprendido a sobreviver contentada com o emprego que conquistara e os encontros ocasionais que experimentava. Tinha amargura crónica na alma e ansiedades várias. Era uma miúda convencida, que tinha aprendido a viver das aparências sobre si mesma. Acobardou-se e era mais uma que vivia cheia de medo do amor. Pedro teve dificuldades em lhe conquistar a confiança. Experimentou de tudo e deu-lhe flores: vermelhas, como ela gostava. Encontraram-se e depressa perceberam que há coisas na vida que são inevitáveis e que a recompensa acaba sempre por chegar. Foram anos de uma entrega enorme, depois de se encontrarem um ao outro. A doença era um parentesis, acreditava Andreia. E Pedro, em segredo, não se deixava acreditar noutra coisa.
Um dia, já depois do diagnóstico, Andreia e Pedro foram a um santuário, num alto de um monte, e prometeram-se amor eterno e juraram que, perante a perda da luta com a doença, Pedro não desistiria de amar.
- “Serei a rapariga lhe olhos verdes que vais conhecer. Sentarte-ás comigo num banco de jardim e pensarás em mim todos os dias. Prometes amar-me?”, perguntou Andreia. Pedro, sem responder, beijou-a, e numa fusão de lágrimas, ambos sabiam do que estavam a falar.
Uma promessa de amor eterno de um amor de filme com a certeza de que o medo é o pior dos desertos. E Pedro, como Andreia, reencontrar-se-ão num jardim do lado de lá, onde o medo não compensa.
10 de Dezembro de 2010. Pedro tomou um calmante, por conselho da mãe, e dormiu o dia inteiro. Era mais uma vírgula na vida.
Amo-te, mas tenho medo.
Luís Gonçalves Ferreira
Texto escrito para uma das jornadas do 20.º Campeonato Nacional de Escrita Criativa
Texto escrito para uma das jornadas do 20.º Campeonato Nacional de Escrita Criativa
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