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Recurso de Estilo

A dor é talvez o mais poético dos sentimentos. Dói e crias, de imediato. E quando, em pingas de criatividade, te sentes vazio, é às memórias de dor que facilmente te alias e, em vómito, te projetas: como um quadro de dor. E percebo, através disto, o fingimento de Pessoa: mesmo que alegre, é à dor que recorres para criar mais genuinamente. Um auto-encontro nas emoções mais profundas. É como se te aproximasses da sua essência, desses de cara com as memórias e voltasses a viver - que incrível viagem do tempo! E é assim que encontras a vivacidade de outros tempos.
Reconhecer a filosofia do benefício do sofrimento, e da necessidade do mesmo, é uma superior capacidade de reconhecimento do crescimento interior. Entendes, quando aceitas o livre arbítrio da dor, que com ela tens que sofrer, sem dela poder fugir. E é como um inimigo ou um amor louco: ou enfrentas, e fazes as pazes com a sua existência, ou caminharás para sempre na preocupação de evitar o seu mal. Surge um cansaço. E então finalmente entendes que a dor e o sofrimento, ao serem poesia, são e serão uma constante que, de mãos dadas com a tua criatividade, te realizam. Daí a necessidade humana de criação de problemas, ou de hiperbolização de males pequenos, ou de montagem de obsessões: o sofrimento faz-nos falta, porque representa conhecimento. E, quem não o tem, enreda um drama próprio, cria papéis e nele actua. E a nossa vida é uma peça, e nós autores. Que fantásticos autores. Que incríveis papéis. Que merda de saber. Sabes, que merda.

Luís Gonçalves Ferreira

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Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...