Desde há semanas que estou de luto: morreu-me uma amiga.
Faz provavelmente dois anos (ou talvez mais) desde que nos conhecemos. Naquela altura, ela oscilava entre uma felicidade estonteante de um relacionamento novo e um luto triste de Inverno por duas perdas consecutivas. A amiga que eu conheci é certamente um farrapo deste élan. Era uma miúda que sabia imenso de cinema e de música, e apresentou-me de mão dada Elis Regina, pela qual me apaixonei sem pestanejar. Nos olhos, desenhava um risco incrível, onde exibia uma sombra cinzenta de colocar inveja aos céus. Olhava para ela, no silêncio ocasional da sua personalidade, e sentia-me na linha de respiração de um artista nato: alguém que não precisa de exibir nada para convencer alguém. Aquele silêncio também me ensinava que não bastava parecer, era preciso ser. Aquilo que parecemos e o que lhe suporta a existência, mas todos os criativos são gigantes com pés de barro.
A minha amiga é dos poucos casos que contrariam Saramago e dão razão a Pilar: é possível morrer de amor. Chegado O dia, recebo a notícia pelo telefone, numa mensagem instantânea: "Morri." Discuti um pouco, reneguei-me aos céus, mas depressa me convenci que era um cancro já de meses, talvez aquilo que queria negar. A autópsia deu "morte por amor". Comecei a aperceber-me que a miséria comanda quem não se quer ajudar. No final das contas, depois do leito da morte, não sei em quem acreditar: se na morte, essa efectiva insurrecta, no preto que sinto dentro do meu peito, ou na vida vegetativa dela, nas minhas memórias. (Só queria que houvesse uma cura para isto.)
Resta acreditar no tempo e entregar-lhe o coração, de mãos cerradas, como quando fazemos aquele truque infantil de adivinhar onde está o rebuçado. Sem presente nem uma promessa de redenção, resta o vazio. E uma limonada de silêncio, por favor. Uma imensidão vazia de ver que quanto mais ferramentas temos maior é o desgaste do nosso corpo, mente e valores. E que às vezes gritamos por ajuda, mas não queremos ser ajudados. Espero que ela acorde, um dia, num plano melhor, mais lúcido, e me diga, com umas rugas a mais, "foi tudo uma brincadeira de crianças."
Sobrou-me este monte de ideias confusas na experiência próxima de que o amor mal entendido leva à loucura e ao desengano profundos.
Luís Gonçalves Ferreira
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