Aquele amor - louco, doente e quente, desmedido, odioso e sem noção - fê-los estranhos um do outro.
Tenho uma inútil e revoltante incapacidade para saber do tempo de ti. Perco-me, ao recordar-te. Os nossos momentos são agora difusos. Não sei se foi há um ano, ou três, ou se nos conhecemos em 2010 ou 2011. Não me recordo, juro. O tempo não passa por nós e isto é estupidamente verdade. Sinto-me um velho ou um doente com memória selectiva. É tudo confuso e difuso, e os sentimentos agora são remediados.
O mais esquisito é que perdi o teu cheiro, a par do nosso tempo. Não sei dele e não me lembro de como era a tua textura: e nem os meus textos me deixam lá chegar. Não sei da última vez em que beijei os teus lábios, embora guarde imagens desfocadas. Não me lembro quando me revoltei da última vez ou de quando achei que eras tu quem me iria receber, ao balcão da eternidade dos sentimentos, por mais uma esperança infundada que teimava em cavar. Não me recordo, eu juro que não. Sei que não há ódio, e a mágoa, a existir, é tão leve que não me lembro dela também. Deve ser da memória seletiva. É confuso gostar de alguém como gostei de ti, como é confuso saber onde te arrumar ou desarrumar ou que coisas sentir. É das poucas realidades para as quais não tenho opinião firme como gosto de ter. Como me sinto eu - e tão eu - a ter. Sempre me confundiste, é verdade, até por que houve uma altura em que te seguiria para todo o lado, de olhos vendados. Não era eu. Eras tu numa visão que precisava de mim.
Acho que o problema da nossa geração é vermos amores de vida em corações desfeitos. Os "amor de uma vida" andam desencontrados. Eu senti por ti e tu por outro. Uma amiga também sofre do mesmo, assim como um pouco de todos aqueles com quem partilhamos a década ou a oportunidade de nascimento e criação.
Queria só escrever sobre este esquecimento. Ontem fui ver-te e apercebi-me que não sabia nada de ti. E que sabia tudo, ao mesmo tempo. É confuso gostar de alguém. Ou melhor, é confuso ter gostado de alguém e gostar, ainda, mas de uma forma profundamente transformada. É normal que o poeta não soubesse quantas almas tinha... Se amou assim, não sabe, mas sabe delas todas ao mesmo tempo. Ele não devia saber onde arrumar pessoas como não se sabe onde arrumar os livros que mais gostamos. Sei que há amores que tornam os apaixonados estranhos um do outro. E isso é tão contrário há metáfora da arte sobre o estar apaixonado que me deixa emocionado, esquecido e mudo.
Luís Gonçalves Ferreira
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