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O laço

Foste o para sempre mais próximo do qual já estive. Do irremediável sabor de nem ter medo da entrega, da paixão eterna, ou da falta de lucidez de partir para um mundo sem nada na algibeira. Achei que me alimentaria do teu amor, dele retiraria frutos, vantagens e um sustento espiritual pelo qual me escusaria a partilhar como mais ninguém. Auto-suficiência da tua luz. Lembro-me de acariciar e desejar continuar a fazê-lo, por mais longe dos tempos que estivesse. Ficar ali, sentado, até que as pregas dos olhos se juntassem às das maçãs do rosto e rugas da boca escorregassem nos contornos do queixo. Lembro-me de te querer tão ardentemente que sentia a pele descolar-se do músculo e o músculo dos ossos. O febril que era o meu corpo quando tocava o teu. 
És como uma memória infantil presa num jardim onde rosas moram com espinhos. Sei do cheiro de ser eu contigo, mas já não sei do teu cheiro. Não é mais meu. Essa é a metamorfose do estar longe fisicamente: a fusão da história que, sozinha, a memória diz real.

Luís Gonçalves Ferreira

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Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...