Há uma dada altura na minha vida em que ceguei. Ceguei loucamente. Deixei de ver os meus olhos, a minha boca, e até de cheirar o meu perfume. Perdi as sinestesias e meta-físicas. Deixei-me nos astros e no irremediável de outro corpo. Ceguei em mim, mas vi-me, mais adiante. Decorei uns traços, a textura de uns cabelos e a calma de um cheiro. Nenhum deles era meu, mas sabia-os de cor. Comecei a inventar-lhes dramas e falas e achar instâncias. Já fui cego numa causa tão própria e transfigurada... Eu ceguei em todas as formas que tinha, em qualquer dos sentidos que sentia. Enganei o cérebro. Talvez tenha sido o mais próximo da morte que algum dia tenha estado: uma total estranheza sobre os umbigos.
Há coisas na vida que cegam. E o amor, esse cósmico e estranho monitor, aqueceu um ferro quente e furou-me os olhos até ao cérebro.
Há um misto de tristeza e indiferença que sobra, agora. De profunda tristeza, talvez seja o termo correcto. Houve tempos em que nem a minha sombra conseguia encontrar.
Luís Gonçalves Ferreira
De tristeza, sim, haverá um sentimento que sobra, talvez um desencanto, mas indiferença não! Serão, aliás, estes sentimentos, a caução tardia de outras alegrias que se não esperava terem fim! O amor, de resto, é sempre um jogo de sorte, em que se tem de penhorar quase tudo, na esperança de nunca ser necessário que lá fique! E como qualquer jogo, pode acontecer o contrário, e a diferença é que aqui o pagamento é em sangue...
ResponderEliminarE a poesia vem, Luís, como tão bem a trazes de novo durante o texto, e vai reciclando a dor, e fazendo a diálise que purificará o sangue que de novo se fará oferenda a outro encontro que se quer eterno...
Abraço