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Mistério da Vida

Plano verde, um caminho de pedra e as mesas prontas para a partilha. Venho de baixo, de trazer mais uns convidados. Ou uns amigos. Talvez família, mas sei que era amor. "Onde estão?", perguntam-me, curiosos, por entre questões sobre a piscina e explicações sobre o parque. Respondo, entusiasmado, "mais a cima. Ali, são os que saltam à corda!". Aproximei-me mais um pouco e a minha mãe, de costas voltadas, com uma amiga de infância, ria-se como uma menina, saltando à corda. Ou como duas meninas ou três, pareciam um batalhão que até fiquei confuso. É a imagem mais bonita da minha vida nos últimos tempos: vi a minha mãe menina. Ela está onde sempre esteve, apesar do trabalho, das canseiras e de uma rotina que, tantas vezes, deixa planos para segundo plano. Hoje foi especialmente bom por isto e por ter a terra, as pessoas, os cantares, as mantas no chão e o verde da grama perante os olhos. Pela certeza absoluta de que a natureza, em si própria, me humaniza, pelo sentir coisas e emoções que me dá. Não haverá nada mais inteiro do que se ser a sentir. Estou cheio. Mesmo que, na ressaca de o estar, vir esta melancolia de escrever textos sobre quem nos faz falta e quem queríamos voltar a ver. No Mistério da Vida também há perdas, como há ganhos. Sobra, porém, vida, renovação nos dois sacramentos próximos da família que me fez isto que sou. Ver o Mistério da Vida na primeira bancada torna-me pleno. E a plenitude é tudo, nem que seja pelos instantes com os da chuva.

Luís Gonçalves Ferreira

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Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...