Deitou a cama por baixo dele, embrulhou o cobertor, e a mão escorregou quase rente ao chão, num descaído de braço que se sentia a pensar. O dedo começa a ver um frio de serpente que o encaracola, por ele a cima, numa animalidade sem igual. Sente-se um calafrio geral e o meta-corpo encosta-se mais um pouco, até onde o ombro descaído permite. O dedo escorrega logo a seguir, toca o chão, e traz consigo o resto do corpo. O animal não desiste, mesmo sabendo que o seu peso era o causador do deslocamento que lhe poderia causar a morte, a fuga precipitada ou mesmo o fracasso de uma conspiração. Determinada, a besta enrosca mais um pouco, ergue a cabeça e estica o rabo, naquela força final de quem quer alcançar a fruta mais virtuosa da árvore da vida. O moribundo, cheio de sede, sente catucarem-se-lhe os lábios por uma suculenta sensação. Era como num leito do berço que se chupa, suga com força, sendo como demasiado óbvia a imagem da mãe que encosta o teto à boca do filho, naquela que poderia ser a sua primeira relação sexual. Destila o refresco infantil e arde a seguir. O dedo encostado ao chão comanda a mão e, juntos, tentam aniquilar o inimigo. O corpo mexe-se um enésimo para cima, e o ombro dá-se, dizendo, ao outro, que o faça também. As mãos apanham o que seria o teto e puxam-no, mas sem sucesso. O veneno era demasiado forte, a mama demasiado animal e os gestos autónomos do corpo demasiado enfraquecidos para combaterem o que quer que fosse. O ultrajante humano abre o olhos, tenta suspirar como mandam as teorias da morte, sussurrando uma espécie de pedido de ajuda. A serpente mora toda dentro dele.
A sala depressa se enche de anciãos, templários e de mais estruturas do poder. Ali, na bagunça, e, sozinhos uns com outros, contemplam o belo que é a morte. O chefe dos que sabem escrever nos livros para memória futura diz desconhecer como se dita, em linguagem, aquele tipo de fim. O mudo que viu tudo está morto. E, morto que não esteja, não importa para nada.
Um punhal morava na goela e sabia-se, de antemão, que o Senhor gostava demasiado de si para, sozinho, ter feito uma barbaridade daquelas. Começou assim a queda cujo mundo jamais esquecerá.
Luís Gonçalves Ferreira
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