Avançar para o conteúdo principal

Despedidas

Desejei por muitos dias que estivesses mais longe. Especialmente quando te encontrava em todos os locais a que ia e apenas queria fugir de ti. Ainda chorava em cada fotografia que visse tua, perguntava-me o que estarias a fazer, a sentir, até onde eu poderia estar, em ti. Esperei para que estivesses longe. Longe o bastante para que todos os sentimentos fossem menores, ou não tão imediatos. Ou para que todos fossem diferentes daquilo que eram. Para que o sofrimento vindo do teu cheiro deixasse de existir. Ou para que a metamorfose esquecida do inverso não fosse pensada. Talvez só te quisesse perto, junto a mim, e tão-só me achava fraco para não suportar mais uma perda. Mais um pedaço de ti que desses para depois roubar. Questionei-me tantas vezes e o silêncio era um brinde. Uma antítese. 

Passou muito tempo desde então. Estive com outras pessoas, mais do que as que queria. Mais do que aquelas que desejei. Apenas procurei um canto para me esconder, encostar e finalmente chegar ao sítio que achava merecer. Mas não. Foram dias e noites, e não. Não chegavas com outro nome, nem com outro rosto, nem com outra voz. Preparei quartos e casas, e desarrumei-os algum tempo depois. Dispus peças em teu nome e desfiz altares também. Usei pulseiras, imprimi fotografias, criei hábitos. Tentei ser parecido contigo e depois desconstruí para me achar eu, novamente. Há locais que têm o teu nome, o teu sabor e a tua textura. Há fragmentos que esqueci.

Houve uma altura em tudo faria para estar mais perto. Entretanto, a ferida foi fechando, aos poucos, lambida com cuidado para não voltar a abrir. Foi o cansaço, a desilusão, e uma fuga em frente que quanto mais adiante ia mais solene estava. Hoje és o amor da minha vida, com tudo o que tens direito. À pureza, ao singelo, à saudade e às memórias. Finas flores que nasceram na minha pele.

Sei que estás mais longe, com o certo de que o local nunca foi o nosso problema. Encontrei-te em locais improváveis e desencontrei-me nos prováveis. Esqueci-te quando te lembravas de mim e lembrei-me de ti quando nem existia para ti. Fomos e deixamos de ser, continuando a sê-lo, na substância, a nós voltando quando o acaso pediu. Espero-te em breve. No breve que continua a desconhecer tempos e espaços. No breve que é eterno.

Luís Gonçalves Ferreira 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Repondo a verdade

Depois de inúmeras tentativas (que agradeço), passo a devolver o dente ao leão, a identificar aquilo que é verdade ou mentira: 1. Adoro manteiga de amendoim Verdade. Quem convive comigo (ou quem me ouve falar) sabe desta paixão. Em pequeno ia para a casa da minha tia e comia pacotes dela. Hoje, depois do sofrimento para emagrecer, contenho-me no consumo. Mas a paixão existe, ai se existe... 2. Compro todas as edições da “Super Interessante” Verdade. Compro-as todas (pelo menos de há dois anos para cá) sem falhar um número. Fascina-me a forma despreocupada, límpida e inteligente que pautam os artigos da revista. 3. Já apareci no programa da Fátima Lopes vestido de anjinho Verdade. A minha mãe foi ao programa SIC 10 Horas demonstrar ao país o seu ofício (vestir anjinhos) e eu, filho devoto e cumpridor, pousei como Jesus Cristo (com cabeleira e tudo). Vergonha. Foi o que me restou do acontecimento. :) 4. Leio a Bíblia constantemente e o meu Evangelho favorito é o de Mateus ...

Aceitação do Prémio Lusitania História – História de Portugal Academia Portuguesa da História

Senhora Presidente da Academia Portuguesa da História, Professora Doutora Manuela Mendonça,  Senhores Membros do Conselho Académico, Senhoras e Senhores Académicos,  Senhor Dr. António Carlos Carvalho, representante da Lusitania Seguros, S.A., Ilustres Doadores,  Senhoras e Senhores,  Vestidos de Caridade, Vestidos de Fé, Vestidos de Serviço, Vestidos de Pátria.  São vários os nomes que podem ter os vestidos que, ao longo da História, foram oferecidos de ricos para os pobres, dos homens e mulheres para os deuses, dos senhores para os seus criados e criadas, de um país ou reino para o seu povo, do ser que não se é para o que se quer ser. Em todos eles há pedido, necessidade, dádiva, hierarquia e crepúsculo. A minha avó Júlia, costureira de ofício e filha de um armador de caixões, fez durante décadas roupas de “anjinho” que alugava nas festas e romarias do Minho. Miguel Torga, num de “Os Contos da Montanha”, referiu que nem o Coelho nem outro qualquer da aldeia o ...

Carta IV

Avó, como estás? Noutro dia, como sempre, fui ver-te ao local onde está a tua fotografia e umas frases iguais a tantas outras. Eram vermelhas, as tuas flores. Estava tudo bonito e arrumado. A tua nova casa, como sempre, estava tão fria. O dia está sempre frio quando te vou visitar lá, já reparaste? Espero que no céu seja tudo mais ameno e menos chuvoso. Tu merecias viver mais tempo, porque eras calma, serena e um porto seguro. Queria voltar a ser menino e ter-te novamente e dar-te tudo o que merecias de mim. Era muito pequeno para perceber como merecias mais carinho... Tenho saudades tuas, avó. Do teu colo. Do teu carinho. Da tua protecção e de quando ias comigo passear, à terça-feira. Fomos dois companheiros muito fortes, não fomos? Deixaste-me de responder... Não te oiço. Mas sinto-te. Sinto muito a tua falta, onde quer que estejas.  Tenho muitas saudades tuas. Muitas mesmo.  Até logo, nos sonhos, avó. É só lá que me consigo encontrar contigo e abraçar-te docemente. Luís...