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Barreiras invisíveis

Procurei por toda a literatura que me define ao tentar encontrar "a" frase para este preciso momento. Falhou Pessoa e até Saramago. Kafka não me acrescenta nada e Miguel Esteves Cardoso está mudo. Inês Pedrosa esgotou-se em nenhum aconselhamento. Estou perdido e fazes-me falta.
Parti agora para a música: Antony & The Johnsons tem a sua sempiterna Hope There's Someone - de tanto encaixar não serve mais (ferida que roça em si mesma). Tenho uma fenda no coração, entretanto. Ela não fecha nem dá segurança de poder curar-se. Segui agora em frente e visito todas as músicas que já me emocionaram. Espera, afinal, ainda existe uma que serve sempre tudo nos últimos tempos! Não... o buraco continua por se emendar. Não há salvação.
Resgato-me agora aos pensamentos: às verdades universais que contei a mim mesmo para fugir de todas as fossas em mim abertas. A céu aberto. Fiquei a céu aberto. Morada oculta, escoltada, acorrentada. Magoada. Das pseudo-psicologias do sentir, das meta-críticas à pós-modernidade egoísta, escrava, errante, continuamente a não querer sentir. A fugir do sentir. Esbarro numa outra conversa, ao canto da sala dos dogmas. O espelho, calado, diz-me tudo. E os contornos das maçãs do rosto, do estilo diferente, dos óculos de massa e os meus artifícios. Onde estão as minhas cicatrizes? Uma luz pisca, então, um pouco abaixo, como nos filmes franceses que tenho visto ultimamente. 
Dói-me o sentir. Dói-me ferozmente. Dói tanto que não sei nada. Esta confusão agora abate-me o peito. O permanecer da fuga em frente a cada dia que somo. Fiz-me um errante. Um errante que se auto-narra em epopeias terríveis, fustigado nos sofrimentos, mas que vive. Pele a dentro: parece que me roubaram os sonhos. 
Há uma casa, lá longe, e lá me senti seguro. Destruída aquela Alexandria de mim, ficaram-me os cacos. O manuscrito é horrível e os livros estão queimados. Vou encerrar-me e dizer que volto mais tarde. Até lá, interdito-me com barreiras invisíveis.

Luís Gonçalves Ferreira

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