Era perto das 11 e o relógio dizia pelo final da aula. Negociei, junto da professora, os pormenores de uma reposição. Dei-me ao caminho para casa. Ponderei, no entretanto, estudar na biblioteca ou até na livraria do centro da cidade. Fiquei-me pela última opção: a da preguiça, como sempre. Chave que roda o automóvel, automóvel que se envolve com a estrada, caminho que termina aqui. Aqui - o local onde me encontro, especialmente quando estou sozinho, por onde me partilhei contigo.
- "Tenho que comprar pão", pensei. "Mas provavelmente não tenho dinheiro. Faço-o depois", continuei.
As botas que tinha apertavam-me (são novas e não se encaixaram ao pé). Descalcei-as, encostando-as a um canto, adiei o lanche da manhã mais uns minutos. Actualizei-me nas redes sociais, vi os e-mails, fitei os apontamentos do exame de quinta. Desviei o olhar e procrastinei. Até a ida ao pão. Mais uns minutos... Lembrei-me: "Tenho uma multa para pagar, junto da fatura atrasada da água!". Fiz um post-it com os códigos de pagamento (não gosto de andar com papeis na mão). Peguei na carteira, conferi os trocos, amarrei nas chaves que encontram a porta.
Saí.
Fui ao banco. Era talvez meio-dia. Passava uma hora dos planos iniciais dentro de um dia já de si atípico. Entro no cheiro a dinheiro e percebo uma cara conhecida. Era a tua irmã. Levantou-se rapidamente e pensei que não me fosse cumprimentar. Enganei-me: simpática, rasga um sorriso tímido, em certa medida magoado, dirige-se a mim, no meio de dois beijos. Perguntou-me se estava tudo bem e respondi-lhe "Sim. E contigo?". É este o pré-forma do encontro, sem querer saber verdadeiramente a resposta. Foi-se logo embora, junto do marido (nunca o tinha visto). Ali, morreram mil perguntas por fazer. A principal seria saber de ti.
Isto do relógio tem imensos versos por escrever. Poderia ter saído mais cedo, ou mais tarde, e nem a encontrar. Poderia ter ido primeiro ao pão, depois ao banco, ou até a outro banco. Mas não: foi assim. Fico sempre com a sensação de que a humanidade é uma história em guião aberto. De entre as perguntas, as respostas, as inquisições sobre o humano, o divino, o trauma e a satisfação, resta-me saber como estás.
Luís Gonçalves Ferreira
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