Avançar para o conteúdo principal

Erotismo da Sombra

Entretanto, ele decidiu desistir. Arrumou as armas, limpou os escudos, e as botas resistentes que tanto o acompanharam. Os livros de estratégia, as filosofias de cabeceira, os mapas gigantes que colocava na mesa, a casa cena de filme que montava. As ruas ficaram vazias, as estradas semelhantes, e até os olhos ficaram diferentes. Era talvez uma reforma: deixou de me ligar, de dizer que me queria bem, até de fazer projetos. O amor morreu quando arrumou a última espada na bainha. 
Como as convicções políticas, o amor é uma batalha, um desafio, um dogma existencial do qual não se pode desistir. É preciso vendar os olhos e seguir os impulsos cardíacos. Gritar às tropas com o peito de um líder, sem tremer a voz, fazendo soar as trombetas, e marchar. 
Seguir em frente. 
O amor tem mapas, espadas, e é uma guerra. O amor é um sem-número de coisas, tantas quantas as histórias onde heróis e princesas são gente normal.
Arrumei a cota e a coifa. Pousei a espada. Do outro lado, as armas, que agora tombam as candeias da amargura, foram sangue. Somos tão-somente eternos nas quatro linhas que desenham a nossa sombra.

Luís Gonçalves Ferreira 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Aceitação do Prémio Lusitania História – História de Portugal Academia Portuguesa da História

Senhora Presidente da Academia Portuguesa da História, Professora Doutora Manuela Mendonça,  Senhores Membros do Conselho Académico, Senhoras e Senhores Académicos,  Senhor Dr. António Carlos Carvalho, representante da Lusitania Seguros, S.A., Ilustres Doadores,  Senhoras e Senhores,  Vestidos de Caridade, Vestidos de Fé, Vestidos de Serviço, Vestidos de Pátria.  São vários os nomes que podem ter os vestidos que, ao longo da História, foram oferecidos de ricos para os pobres, dos homens e mulheres para os deuses, dos senhores para os seus criados e criadas, de um país ou reino para o seu povo, do ser que não se é para o que se quer ser. Em todos eles há pedido, necessidade, dádiva, hierarquia e crepúsculo. A minha avó Júlia, costureira de ofício e filha de um armador de caixões, fez durante décadas roupas de “anjinho” que alugava nas festas e romarias do Minho. Miguel Torga, num de “Os Contos da Montanha”, referiu que nem o Coelho nem outro qualquer da aldeia o ...

Quietude

Tenho saudades de quando, no calor do tempo, caminhávamos de mãos dadas. Tenho saudades de sentir que as nossas almas eram uma só e que, mesmo por tornado, o castelo ficaria intacto. Lembro-me de como sorria a olhar para ti. Era genuína a forma de te contemplar. Hoje a ferida está aberta por de mais. Tudo me deixa triste, porque a margem de erro diminuiu de tanto ser usada (e abusada). Hoje são como farpas que entram na pele e ferem ainda mais. Não sei até que ponto isto continua viável. Como se a amizade se pudesse avaliar assim... Está tudo fora do sítio e, eu, quieto, continuo à tua espera. Luís Gonçalves Ferreira

Carta IV

Avó, como estás? Noutro dia, como sempre, fui ver-te ao local onde está a tua fotografia e umas frases iguais a tantas outras. Eram vermelhas, as tuas flores. Estava tudo bonito e arrumado. A tua nova casa, como sempre, estava tão fria. O dia está sempre frio quando te vou visitar lá, já reparaste? Espero que no céu seja tudo mais ameno e menos chuvoso. Tu merecias viver mais tempo, porque eras calma, serena e um porto seguro. Queria voltar a ser menino e ter-te novamente e dar-te tudo o que merecias de mim. Era muito pequeno para perceber como merecias mais carinho... Tenho saudades tuas, avó. Do teu colo. Do teu carinho. Da tua protecção e de quando ias comigo passear, à terça-feira. Fomos dois companheiros muito fortes, não fomos? Deixaste-me de responder... Não te oiço. Mas sinto-te. Sinto muito a tua falta, onde quer que estejas.  Tenho muitas saudades tuas. Muitas mesmo.  Até logo, nos sonhos, avó. É só lá que me consigo encontrar contigo e abraçar-te docemente. Luís...