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"o teu rosto transformou-se na noite interminável que atravessa cada tarde, cada tarde, cada tarde interminável.
o rio de fumo que levava o teu nome para as estrelas desapareceu dentro de dentro de dentro da minha tristeza.
e o teu rosto era tudo o que tinha. e o teu nome era tudo o que tinha. tu eras tudo. tudo. e tudo é agora mais do que tudo.

não imaginas, ninguém imagina, como o meu peito ficou vazio depois de partires. o teu sorriso existia ainda dentro de mim, mas já não eras tu. era a tua imagem.
não penso para onde foste porque o meu peito, sem ti, fica atravessado por lâminas. tenho um silêncio dentro. toco os sítios onde estiveram as tuas mãos. sinto o que sentiste.
fico acordado de noite, com a esperança secreta de que possas regressar.

não me arrependo das horas que perdi a esperar-te quando ainda havia a esperança. a esperança que havia quando, a esperar-te, perdi horas de que não me arrependo.
um instante na memória de chegares é mais valioso do que jardins. do que montanhas. do que anos de tempo.
arrependo-me de ficar ao sol, de sorrir, de esquecer que devagar passam os dias. os dias passam devagar, esquecendo-se de sorrir ao sol e de ficar onde me arrependo.

a tua ausência é, em cada momento, a tua ausência. não esqueço que os teus lábios existem longe de mim. aqui há casas vazias. há cidades desertas. há lugares.
mas eu lembro que o tempo é outra coisa, e tenho tanta pena de perder um instante dos teus cabelos.
aqui há palavras. há a tua ausência. há o medo sem os teus lábios, sem os teus cabelos. fecho os olhos para te ver e para não chorar."

- José Luís Peixoto, A Casa, A Escuridão, pp. 45-48

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