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Ler e amar. Uma questão de escolha.

Há uma analogia profundamente surpreendente entre os livros e as pessoas cujos destinos se cruzam com o nosso.
Escolhemos um livro, antes de mais, pela capa: o aspecto pictórico que nos chama a atenção. Somos atraímos pela letra, as cores, ou até por uma palavra chamativa exclamada aos nossos olhos. Igual à pessoa que nos chama atenção no meio da rua, do nada.
Aproximamos e começamos uma certa sedução de convencimento. O cheiro conta, a par da textura do papel. Vemos a contra-capa: o resumo. Se não conhecemos o autor, perguntamos o nome e até o que faz da vida. As biografias são sempre importantes, nos livros como nas pessoas. Uma página à sorte é aberta para absorver o estilo da escrita; a forma como flui naturalmente; um certo talento que nos conquista. Será o equivalente à linguagem corporal dos humanos ou ao sorriso, para os que, como eu, são por ele fixados.
Levar o livro para casa é o acto mais íntimo do processo de se possuir algo. Tudo tem um preço, como nos livros. E tê-los é dividir estante com outras paixões, memórias, e títulos igualmente fascinantes. Serão os modelos, as condicionantes, as comparações que fazemos todos os dias em relação a tudo, mas especialmente no que ao amor diz respeito. [Este sexo é melhor do que aquele, aquele cérebro é mais excitante do que este: tipo resumos de vantagens e desvantagens (uma racionalização das emoções - como se mandássemos em alguma coisa)].
O livro pode até aguardar pela sua vez. Porém, há daqueles que passam, de imediato, à frente de todos os outros: consumo apaixonado, talvez por tanto querer aprender; ou tanta urgência sentir daquele conteúdo. [Sou de paixões rápidas pelo fogo que arde em mim.]
Agora escolhido e assumido, o livro é aberto, pelo início, como a vida se começa no nascimento. É a prova dos nove dos pré-conceitos da aparência. Nos livros, como nas pessoas, há que saber desistir a tempo. Abdicar é não arriscar a leitura inteira de uma vida e não alimentar expectativas feitas por (des)ilusões. Desistir é um sinal de virtude e um respeito. Abandoná-lo será, também, dar ao livro, como às pessoas, uma nova oportunidade. Fazer ferida, ao insistir, pode arruinar tudo, mas desistir antes do tempo pode-nos fazer perder a maior narrativa do mundo.
Escolher, na vida, é como seleccionar um livro numa estante. Até quando seleccionamos dos livros que já temos em casa e colocamos a esperar por nós. Após anos, talvez a consciência volte a despertar às letras bonitas, ao autor interessante, ao estilo entusiasmante. Talvez se cative novamente pelo tema. Talvez se conclua o primeiro capítulo; se emocione no segundo; se somem todas as letras e até se anote para a posteridade.
Ler, como amar, é um dos mais belos jogos de sorte. Há quem leia um livro na vida e não precise de mais. Há quem coleccione leituras rápidas, semanais, ou até de duração mais curta que essa: devoradores de livros. Há quem escolha e se deixe levar pelo sabor da vontade. É certo que todos, nos livros e no amor, procuramos resposta sobre a nossas inquietudes, desejos, anseios e faltas.
Ler é, como amar, viver. A vida é curta de mais para escolhas erradas e longa o suficiente para poder regressar.

Luís Gonçalves Ferreira

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