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Círculo

O que está a acontecer neste momento, independente de leituras mais ou menos conservadores a respeito da prática constitucional, é uma ironia para com o sistema semi-parlamentarista em que vivemos. Mostra, sobretudo, que o modelo já não serve. 
Os partidos que se unem ao PS não acreditam (nem nunca acreditaram) no modelo de desenvolvimento no qual Portugal alinha desde a instauração da III República, depois do PREC. Se a situação de credo político do Bloco de Esquerda é mais confusa, porque nunca fala em combater o modelo de classes, as opções do PCP são claras para os portugueses: e deles sempre colheu respeito por uma luta contínua, pacífica e determinada, regrada por princípios. Até hoje. 
Nos cartazes que sobrevivem na rua, derivado da poluição visual de que todos os partidos fizeram refém a política, leem-se, nos do PCP, apelos à saída do euro, ao regresso do escudo, à restauração da soberania. A maioria da população acredita no projeto europeu (dos que votam, obviamente). 
A cartilha comunista não ignora a possibilidade de ser poder, sendo essa uma forma até privilegiada de o minar, corroer, preparar a eterna revolução em curso para a sociedade sem classes. O Bloco de Esquerda não. Ou pelo menos não clarifica. 
Jovem de estrutura, o Bloco substituiu o último líder à feição da ditadura do partido único: estratégia de dois para um, tamanha era a força institucional de Francisco Louçã. Perdeu-se Ana Drago, no entretanto. Substituiu-a pela demagoga Mariana Mortágua: uma cacique. Francisco Louçã continua, mas no silêncio. Catarina Martins desempenha o papel da sua vida. Isto só para analisar a rama. Por aqui me fico.
O CDS-PP de Portas fareja sempre o poder, modifica-se, e quer recuperar a glória dos tempos do início da democracia. Uma angústia e sempre desespero.
O PSD significa, em Portugal, a ideologia dominante da Europa. Refugia-se na sua história e perde-se na corrupção dos jotas, nas opções menos corretas da economia de mercado, mostrando-se incapaz de ter voz. Não o pode, por acordo internacional. 
O PS é uma aberração política: sempre o foi. Não é de esquerda, mas tem um nome de Esquerda. Permite-lhe o que assistimos neste momento e em todos os outros: está onde está o poder. Canibaliza-o, baba-se por ele. Custe o que custar. 
Visão paternalista de um país hipotecado no ego dos líderes que a vida querem salvar. Destino: construtoras ou empresas público-privadas. Sucesso arreigado ao carácter de quem executa. 
Nisto, PS como o PSD e CDS. Longe do PCP e do BE: para eles, a questão será sempre a do grande capital, dos mais ricos que esganam os mais pobres, da sociedade de classes e do modelo de desenvolvimento que se generalizou por entre os séculos. 
Os pequenos partidos ficam longe dos corredores de São Bento, neste Portugal pouco plural, cheio de viroses, onde as democracias são estreitas, pouco experimentadas e, à mínima possibilidade, postas de lado. Desde sempre que, moralmente, assenhoramos o Estado, paternalizamo-lo, deixando que entre nas nossas vidas, nos nossos negócios e até no sal do nosso pão. 
Tudo isto a que assistimos nas televisões, lemos nos jornais e revistas, ou escutamos nas rádios, é fruto da circunstância de país pequeno, sem recursos, acantonado ao papel de receptor económico e ponto de consumo. Não podemos ser mais do que isto: é a competitividade natural do homem que sufoca e se apodera de quem tem pouco.
Falamos, então, da natureza humana: dos que a aceitam - como o PSD, CDS e o PS - e dela querem retirar o lucro, e os de que a rejeitam, querendo utopicamente lutar contra ela, como o PCP e o BE. São todos necessários: os céticos e conservadores como os radicais, os pensadores de fundo, os da alternativa. 
Diálogo dos mundos: Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, Hobbes e Rosseau, Marxista-leninistas contra liberais, sociais democratas, democratas cristãos e neo-liberais. E, neste fundo de panela, não fazem sentido os rótulos: somos todos bichos em movimento.
Acresce o eurocentrismo: esquerdas e direitas continuam a opinar sobre o mundo do seu pódio intelectual de berço da humanidade.
Dou por mim a pensar sobre um modelo alternativo: clarifico-me e penso que a humanidade não é mais do que este ciclo de que os objetos que colocamos ao nosso serviço são exemplo. 
Moda, política, cultura, gosto, tecnologia, intelectualidade: da simplicidade ao exagero; da paz à revolta; um círculo. Somos todos círculos e deve ser por isso que tanto nos importamos com as questões da morte.

Luís Gonçalves Ferreira

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