Ao historiador contemporâneo é lhe pedido, antes de mais, que produza
observação histórica de forma problematizada e questionadora sempre
baseada em documentação coesa, numa metodologia arreigada ao possível
(quanto ao tempo e aos objetivos), assente em questões e hipóteses. O
jovem historiador ou investigador que hoje se tente introduzir aos
meandros do conhecimento humano, pela lente da observação do passado,
avança-se num anacronismo inato que, sendo a principal circunstância do
seu labor (o olhar é sempre do presente para o passado), é fobia
constante da contaminação intelectual do seu trabalho. O historiador
sente através dos documentos que observa, pelas pessoas que narra ou
pelos pensamentos que desenvolve. Ter medo da contaminação é não aceitar
as características da sua profissão; é não se desenvolver num conjunto
submerso de ideias, pré-conceitos e conteúdos, desde logo emanados da
instituição que o forma, dos pares que o pressionam, dos livros que leu e
das brilhantes exposições que ouviu. Como ciência humana e social, a
História confunde-se com as caraterísticas humanas analisadas por outras
ciências, como a Medicina, Direito, Psicologia, Sociologia ou até pelas
ciências humanas: medos, neuroses, tensões, influências, socializações
em gerações de colegas e instituições, simbioses ou compensações
atómicas...
Professores, unidades curriculares e objetivos
formativos das graduações, pós-graduações, mestrados e doutoramentos em
História, fazem-se de uma constante confrontação entre a história do
passado (arcaizante, descritiva, positiva, dependente do monolítico do
documento escrito), arreigada às histórias dos séculos cronológicos e
das três idades, com uma história do futuro, necessariamente
globalizadora, policêntrica e artificialmente democrática e mundial como
o sítio onde o historiador existe. Esta dupla tensão – entre a
disciplina e o tempo do historiador – produz observações diacrónicas
numa postura que duvida, que tantas vezes resvala para o questionamento
idiossincrático da História como ciência autónoma, com método e objeto
próprios.
Para além de exigências de caráter prático, pede-se ao
jovem historiador que seja culto como os seus antecessores, mas que
esteja a par de toda a informação galopante que circula no mundo
académico: lendo muito em pouco tempo. Que atenda aos clássicos - da
história da História (de todos os tempos aos atuais), das revistas, dos
Annales, do pós-68, da pós-modernidade - mas também que saiba acompanhar
os portais que democratizam o acesso aos artigos científicos – aquelas
gaiolas douradas que almejam a autenticidade e os quinze minutos de fama
da pop art.
Vivemos, por isso, escravos da criatividade, mas
sobretudo das notas de rodapé. Somos escravos do medo do pastiche, numa
obsessão pela construção do novo, sendo empurrados para grupos de estudo
que em nada simpatizam com interesses individuais, mas em tudo servem a
ciência dos campos por tratar. Almejamos em ser Le Goff, Bloch,
Catroga, Mattoso ou Cruz Coelho. Queremos ser tudo num acesso de nada:
entre professores que não ensinam (falta-lhes tempo e veia) e alunos que
não aprendem (simplesmente desconhecem vantagens em ler, estudar e ter
mérito numa sociedade abundante em tudo e construtora de muito pouco).
À História cabe a participação, intervenção e politização. É, antes de
mais, a sua circunstância, pois é produto de olhares pessoais,
integrados num tempo e num espaço, emersos em observações particulares,
vítima de medos e incómodos. O historiador escreve sobre os aspetos que
lhe provocam emoções racionais num conjunto alargado de palavras que lê e
cita, por orientação de um condicionamento natural de apenas encontrar o
que procura.
O historiador é automaticamente vítima de si e do
seu contexto. Então, que assim se assuma e assim sirva a sociedade; que
saia dos colóquios e dos metros quadrados do seu gabinete, sala de aula e
casa! Enquanto nos enjaulamos condenamos a nossa disciplina esta dupla
tensão em que (sobre)vive: consigo mesma, porque o historiador possui um
medo obsessivo da cópia e repetição; e com os outros, pois a sociedade
desacredita que a História (assim como a Filosofia ou Antropologia)
possa contribuir com algo de fundamental para o aprimoramento da
existência humana.
Porquanto, a História e o historiador são como
templos helénicos: sobram belas colunas eretas como vestígios pétreos
do passado glorioso para o qual eternamente nos voltamos no sentido
acalentar as nossas frustrações.
Luís Gonçalves Ferreira
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