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Mea culpa



Quando nos ensinaram, na escola primária, a picotar desenhos jamais imaginei que, pelas sombras e os furos, crescemos; como naquele jogo que permite ganhar chocolates. O pior do amor é a forma como nos deixa ficar; lembro Anna Karenina, mas queria esquecer as estórias todas do mundo. Inércia, desgosto e vontades: como no jogo de picotados que, em criança, treinava a nossa concentração e abstração. Métodos significativos num poço para o futuro.
O pior do amor é a forma como nos abandona, talvez sozinhos que nem cães abandonados. O pequenino é querido e o grande imensamente desastroso. Não sei onde arrumar este jarro que tenho nas mãos; não decora nada e não se quebra.
Parti, de mãos dadas, olhando o automóvel a seguir embora. Tentamos ir pelos caminhos que conhecemos, bater às portas de sempre e chamar ajuda. A ferida ainda sangra para a bacia magenta que decora a pia da cozinha.
São quase duas da manhã. Após o barulho, e tomado o silêncio em golos de chá verde, lamento as mãos vazias, as memórias seletivas e a eterna sensação que, refletido no retrovisor do carro, ainda vejo um tronco semi-nu chegando perfume para me conquistar. Sedução que aceitei, querendo apenas ser encontrado. Pele tão quente e macia; casa feita projeto.
Corpo que enferma jamais se cura; lavemos as mãos, como Pilatos, no local onde cruzamos olhares, discussões, beijos e desilusões; onde tratamos o nosso futuro e as férias que nunca tivemos. Conduzimos tudo com beijos e química numa equação ao modo da física quântica. Mea culpa, no intervalo das coisas que fugazmente empurro à minha boca. Espero ter feito bem.
Não tenho sono e não está quem me implore para não adormecer agora.

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