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À Mafalda

Chama-se Mafalda, mas podia ser perfeitamente outro nome qualquer. Lógico será que viverá e será sempre Mafalda, porque se vai convencer disso ao ser chamada assim a vida toda. A vida toda: o nome tem essa dimensão temporal; uma espécie de companhia e amor para a vida toda. Mas, ao escrever este texto sobre como é ser tio a segunda vez, queria dizer à Mafalda que ela é, antes de ser o nome que tem, a espera e a ansiedade carinhosa da minha irmã Júlia e do pai, o Xavier. Vi-os, durante a expectativa que foram os nove meses de chegada, preocupados em construir o sítio que a receberá amanhã, quando chegar ao lar que conhecerá esta nova dimensão, claramente mais ampla e grandiosa, e sobre o qual já escrevi. Escrevi sobre a Mafalda mesmo antes de pegar nela ao colo; mesmo antes de ver que o vi hoje. Escrevi sobre a Mafalda escrevendo sobre o amor que a gerou, esperou e, agora, recebe; chamou-se Pretérito mais que perfeito. 
A Mafalda é por isso amor, antes de outro nome qualquer; mas nós não nos podemos chamar todos da mesma maneira e por isso é que ela é Mafalda. É, neste momento, o início e uma chegada. Hoje, quando devolvi a bebé ao leito da minha irmã, vi-a amolecida e vulnerável; como nunca assisti antes, porque a Júlia sempre foi sinal de um rochedo intransponível e infragmentável. 
A fragilidade é, neste sentido, a dimensão mais natural do ser humano. Vi-a na minha irmã, no Xavier e na Mafalda. E vejo-a em mim, quando as lágrimas me tropeçam ao escrever este texto que, um dia, imagino ser lido por quem de direito. Queria que ela soubesse que, tal e qual a Francisca, a chegada dela faz-se presença no meio de um mar gigante de sentimentos. Quero vê-la crescer e saber-nos a crescer por meio dela. Gostava também que, neste processo de simbiose e comparação, ela se sinta única pelo contexto em que chega, especialmente para mim, numa altura em que diversas angústias, medos e esperanças se guardam no meu coração.
Hoje, no quarto do hospital, no meio de toda a materialidade que nos torna mais individualistas, assisti a ao fechamento de uma trindade miraculosa de amor genuíno. Frágil e puro; natural e autêntico; animal e fortalecido.
Um rochedo que, finalmente, brota água cristalina de esperança. Mafalda é vida e é essa força cujos vindouros tornarão mais lastra no mesmo caminho.

Luís Gonçalves Ferreira 

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