Ficaria por trezentos anos observando esta fotografia, se por esse tempo meus olhos e discernimento a ele sobrevivessem. Vejo nela o retrato da minha mãe, ao meu lado orgulhosa, e o da minha avó, em muito saudosa. Fico parado naquele dorso, em Espanha, entre mares e canoas salgadas pelo mar mais calmo em que hoje se afogam vidas; naquele pequenino apartamento. Ficaria tempos infinitos vendo fotografias, contemplando sonhos, anexando semelhanças e verosimilhanças dos traços que o acaso plantou. Passo tempos, em jantares de família, a ver os sorrisos e a contemplar os silêncios das ausências. Tenho, talvez por isso, uma tristeza cabisbaixa que se agrafa à forma positiva e radical com que os olhos que querem durar trezentos anos veem o mundo; profunda alegria. Mesmo que com desalentos e partidas, da vida somente fica o amor e a saudade; como se o tempo corresse a uma velocidade maior do que os batimentos cardíacos da própria memória e nunca chegasse a ter pressa suficiente para paralisar coisa alguma.
Ficaria trezentos anos contemplando esta fotografia. Talvez a eternidade apenas exista, porventura, como a maior escravatura consentida a que alguém se pode enviar. Dizia que, mesmo depois de morto, Saramago me ensina muitas coisas: uma delas é de que a compaixão é o sentimento mais bonito do ser humano, como aquele cão das lágrimas no Ensaio Sobre a Cegueira.
Jamais no ceguemos naquilo que chamamos de coração enquanto raiz à nossa natureza.
Luís Gonçalves Ferreira
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